Jean Madiran*
Os dois significados da palavra "liberal"
Liberal, da palavra latina liberalis, se diz daquele que é generoso (capaz de "liberalidades") e, de forma geral, de tudo o que é digno de uma pessoa de condição livre, em oposição a condição de escravo. Liberales artes ou doctrinae, as "artes liberais", é a erudição. Este primeiro significado sobrevive mais ou menos na expressão: as "profissões liberais" (advogado, médico, arquiteto, escritor, etc.), quer dizer, as que se exercem mais livremente que as profissões asalariadas. A liberalidade consiste, então, em ter a disposição a dar generosamente, ou então, o dom mesmo feito com generosidade. Ser liberal, no sentido que empregam esta palavra Bossuet, Moliere e La Fontaine, é o contrário de ser mesquinho ou avaro. Este primeiro significado não faz nenhuma referência a uma doutrina política ou moral particular.
O segundo significado é ideológico. O liberal é então um partidário do liberalismo, doutrina que pode ser econômica, moral, política, religiosa, que faz da liberdade o princípio diretor (supremo ou inclusive único) da vida individual ou coletiva.
Ideologia por sua vez filosófica e religiosa, política e moral, econômica e social, o liberalismo encontra resumida sua expressão mais definitiva no hino que uma hierarquia maçônica fazia cantar em 1984 as organizações católicas no momento das manifestações pela liberdade escolar: "Liberdade, creio que tu és a única verdade."
O segundo significado é ideológico. O liberal é então um partidário do liberalismo, doutrina que pode ser econômica, moral, política, religiosa, que faz da liberdade o princípio diretor (supremo ou inclusive único) da vida individual ou coletiva.
Ideologia por sua vez filosófica e religiosa, política e moral, econômica e social, o liberalismo encontra resumida sua expressão mais definitiva no hino que uma hierarquia maçônica fazia cantar em 1984 as organizações católicas no momento das manifestações pela liberdade escolar: "Liberdade, creio que tu és a única verdade."
O primeiro erro do liberalismo
Fazendo da liberdade o princípio supremo ou único da organização política e social, o liberalismo comete o error de não reconhecer seu justo lugar a outros princípios, iguais ou superiores: entre outros o princípio nacional, enaltecido pelo nacionalismo, já que eleva o bem comum nacional acima dos interesses particulares.
O segundo erro do liberalismo
Ademais, a liberdade da qual o liberalismo faz seu princípio supremo não é qualquer liberdade abstrata ou concreta. É uma certa liberdade: a entendida em seu sentido muito determinado, aquele da "declaração dos direitos do homem" de 1789.
Os direitos do homem
Os próceres do liberalismo reconhecem unanimemente que "os direitos do homem são o problema fundamental do mundo de hoje". Eles deixam 1793 para a "esquerda marxista" e reclamam a de 1789 como se fosse "a propriedade dos liberais" e sua "herança".
Não digo que aprove que os liberais invoquem continuamente os "direitos do homem" em geral, mais do que falar a uns e a outros de seus deveres recíprocos, mas posso compreende-lo de parte dos parlamentares que imaginam dirigir-se a seus futuros eleitores.
Sem embargo, existem outras "declarações de direitos" além daquela de 1789. Existe a "declaração universal dos direitos do homem" feita pela ONU em 1948. Por sua origem e por seu destino é muito mais "universal" precisamente e, em certa maneira, mais oficial que a de 1789. Por outra parte e algo diferente, mencionamos os direitos da família, que com freqüência os católicos invocam quando desejam mostrar que também eles podem falar dos "direitos do homem", destacando, na necessidade, que é menos criticavel. E primeiramente estava a declaração americana de 1776, que em vários de seus artículos não era muito melhor que a francesa de 1789, mas tinha ao menos sobre ela a vantagem de invocar a Deus e de fundar os direitos do homem mais sobre a vontade divina do que sobre o arbítrio humano.
Teoricamente existe uma certa margem de escolha. Entre estas diversas declarações de direitos os liberais tem o costume de apoiar-se na que é mais discutível, em todo caso certamente, na mais maçônica: a de 1789.
Não digo que aprove que os liberais invoquem continuamente os "direitos do homem" em geral, mais do que falar a uns e a outros de seus deveres recíprocos, mas posso compreende-lo de parte dos parlamentares que imaginam dirigir-se a seus futuros eleitores.
Sem embargo, existem outras "declarações de direitos" além daquela de 1789. Existe a "declaração universal dos direitos do homem" feita pela ONU em 1948. Por sua origem e por seu destino é muito mais "universal" precisamente e, em certa maneira, mais oficial que a de 1789. Por outra parte e algo diferente, mencionamos os direitos da família, que com freqüência os católicos invocam quando desejam mostrar que também eles podem falar dos "direitos do homem", destacando, na necessidade, que é menos criticavel. E primeiramente estava a declaração americana de 1776, que em vários de seus artículos não era muito melhor que a francesa de 1789, mas tinha ao menos sobre ela a vantagem de invocar a Deus e de fundar os direitos do homem mais sobre a vontade divina do que sobre o arbítrio humano.
Teoricamente existe uma certa margem de escolha. Entre estas diversas declarações de direitos os liberais tem o costume de apoiar-se na que é mais discutível, em todo caso certamente, na mais maçônica: a de 1789.
O plano maçônico
A "declaração dos direitos do homem" e "do cidadão" de 26 de agosto de 1789 figura no preâmbulo da primeira constituição francesa, que foi a de 3 de setembro de 1791.
A Constituição de 1791 não é, em resumo, nada mais que a primeira Constituição política da França. Outra constituição a precedeu, conseqüência ainda mais direta, mais próxima, da declaração dos direitos de 1789, foi uma constituição religiosa: a "constituição civil do clero" de 12 de julho de 1790.
Pois, se declaração maçônica dos direitos de 1789 era dirigida contra o "Antigo Regime" em geral, estava mais direcionada contra o Antigo Regime religioso do que contra o Antigo Regime político; mais contra a Igreja que contra a monarquia, e é por isso que a constituição política de 1791 define então a França como um "reino", declara que o "governo é monárquico" e que é exercido "pelo rei"; e que o "trono se delega hereditariamente a linhagem reinante de varão a varão, por ordem de primogenitura". No entanto, mais de um ano antes, a constituição religiosa de 1790 havia juridicamente desintegrado a Igreja católica da França.
Este plano maçônico contra a Igreja foi de tal maneira prioritário que foi posto em prática pela Assembléia constituinte desde 20 de agosto de 1789, quer dizer, antes mesmo que fosse terminada a declaração dos direitos do homem. Era a primeira prioridade. Assim, a cronologia mostra que já o "liberalismo" de 1789, do qual fazem referência nossos liberais, era essencialmente anti católico.
A declaração dos direitos de 1789 continha sem dúvida a condenação de um certo número de abusos efetivamente condenáveis e unanimemente reprovados. Mas continha também a formação doutrinal do plano anti católico da franco maçonaria, por uma nova definição do que deve ser a liberdade e do que é necessário rechaçar como arbitrário; em seguida toda autoridade que não proceda expressamente da vontade geral manifestada pelo sufrágio universal deve ser considerada como uma autoridade arbitrária, sendo um intolerável ataque a liberdade. É o resultante dos artículos 3 e 6 e que, por outra parte, confirmaria a declaração universal da ONU de 1948.
Proclamando que as únicas autoridades legítimas são aquelas que emanam expressamente da vontade geral, os redatores da declaração de 1789 podem não haver se dado conta de que aboliam assim a autoridade do homem sobre a mulher no matrimônio, a dos pais sobre os filhos sobre os filhos, a do mestre sobre os alunos e assim sucessivamente. A lógica do demônio seguirá seu curso anárquico no século XIX e sobretudo no século XX. Mas a franco maçonaria, inspiradora e promotora da declaração, sabia bem que assim colocaria fora da lei, como contrários aos direitos do homem, toda idéia de uma lei divina superior a consciência humana e toda autoridade espiritual da Igreja Católica. Em conseqüência, desde 1790 foi decretado que os bispos, daí em diante, seriam eleitos pelo colégio departamental dos eleitores ordinários, incluídos os eleitores não católicos ou incrédulos.
A declaração maçônica de 1789 estava, pois, dirigida contra a religião católica. Michelet teve toda razão ao designa-la como "o credo da nova idade": quer dizer, destinada a tomar o lugar de Eu creio em Deus. A liberdade de 1789 é a de "nem Deus, nem senhor". Adiante, a única moral, a única religião eventualmente admissível é aquela da qual cada consciência, em sua criatividade soberana, se forja uma idéia subjetiva, válida somente para ela mesma. A isto se da o nome também de "anti dogmatismo".
A Constituição de 1791 não é, em resumo, nada mais que a primeira Constituição política da França. Outra constituição a precedeu, conseqüência ainda mais direta, mais próxima, da declaração dos direitos de 1789, foi uma constituição religiosa: a "constituição civil do clero" de 12 de julho de 1790.
Pois, se declaração maçônica dos direitos de 1789 era dirigida contra o "Antigo Regime" em geral, estava mais direcionada contra o Antigo Regime religioso do que contra o Antigo Regime político; mais contra a Igreja que contra a monarquia, e é por isso que a constituição política de 1791 define então a França como um "reino", declara que o "governo é monárquico" e que é exercido "pelo rei"; e que o "trono se delega hereditariamente a linhagem reinante de varão a varão, por ordem de primogenitura". No entanto, mais de um ano antes, a constituição religiosa de 1790 havia juridicamente desintegrado a Igreja católica da França.
Este plano maçônico contra a Igreja foi de tal maneira prioritário que foi posto em prática pela Assembléia constituinte desde 20 de agosto de 1789, quer dizer, antes mesmo que fosse terminada a declaração dos direitos do homem. Era a primeira prioridade. Assim, a cronologia mostra que já o "liberalismo" de 1789, do qual fazem referência nossos liberais, era essencialmente anti católico.
A declaração dos direitos de 1789 continha sem dúvida a condenação de um certo número de abusos efetivamente condenáveis e unanimemente reprovados. Mas continha também a formação doutrinal do plano anti católico da franco maçonaria, por uma nova definição do que deve ser a liberdade e do que é necessário rechaçar como arbitrário; em seguida toda autoridade que não proceda expressamente da vontade geral manifestada pelo sufrágio universal deve ser considerada como uma autoridade arbitrária, sendo um intolerável ataque a liberdade. É o resultante dos artículos 3 e 6 e que, por outra parte, confirmaria a declaração universal da ONU de 1948.
Proclamando que as únicas autoridades legítimas são aquelas que emanam expressamente da vontade geral, os redatores da declaração de 1789 podem não haver se dado conta de que aboliam assim a autoridade do homem sobre a mulher no matrimônio, a dos pais sobre os filhos sobre os filhos, a do mestre sobre os alunos e assim sucessivamente. A lógica do demônio seguirá seu curso anárquico no século XIX e sobretudo no século XX. Mas a franco maçonaria, inspiradora e promotora da declaração, sabia bem que assim colocaria fora da lei, como contrários aos direitos do homem, toda idéia de uma lei divina superior a consciência humana e toda autoridade espiritual da Igreja Católica. Em conseqüência, desde 1790 foi decretado que os bispos, daí em diante, seriam eleitos pelo colégio departamental dos eleitores ordinários, incluídos os eleitores não católicos ou incrédulos.
A declaração maçônica de 1789 estava, pois, dirigida contra a religião católica. Michelet teve toda razão ao designa-la como "o credo da nova idade": quer dizer, destinada a tomar o lugar de Eu creio em Deus. A liberdade de 1789 é a de "nem Deus, nem senhor". Adiante, a única moral, a única religião eventualmente admissível é aquela da qual cada consciência, em sua criatividade soberana, se forja uma idéia subjetiva, válida somente para ela mesma. A isto se da o nome também de "anti dogmatismo".
Um ideal característico
A pergunta que surge a propósito dos liberais não é a de sua dependência, de alguma maneira administrativa, a uma obediência maçônica. Não é que esta pergunta não tenha importância, mas, como sabe-lo? A dependência pode ser secreta e publicamente negada. É a diferença em relação a uma dependência religiosa. Um católico não está de nenhum modo obrigado por sua religião a manifestar que é membro do Touring Club da França ou da Associação Guillaume Budé, que aprova os amigos de Robert Brasillach, ou ao Socorro da França: mas jamais tem o direito, ainda que devesse dar sua vida, de dissimular que é católico. Ao contrário, parece que a ética maçônica reconhece o direito, eventualmente o dever dos franco maçom, de dissimular que o são. Por outra parte, existem pessoas que se tornam franco maçons para ter maior êxito em sua carreira financeira, administrativa ou política, sem comprometer suas convicções. Sem dúvida eles subestimam o fato de que a solidariedade maçônica possa leva-los muito mais longe do que pensam. Que tal ou qual liberal seja membro de uma loja e que o seja com esta ou aquela intenção não o sei e não tenho nenhum modo de sabe-lo com certeza. No entanto, os liberais são os predicadores e os apóstolos do liberalismo maçônico de 1789, cujo segundo centenário foi fervorosamente celebrado. Por seu ideal de referência e por sua doutrina assim invocada são franco maçons.
Uma reivindicação limitada
Será necessário esclarecer? Analisando a natureza maçônica do liberalismo francês não persigo de nenhuma maneira o plano inquisitorial, e que seria utópico na V República tal como esta constituída, de proibir aos franco maçons participar da vida pública. Meu plano é muito mais modesto; muito mais limitado; mas é "democraticamente" legítimo: é que pudéssemos ser representados, nós que não temos relação com a franco maçonaria, por pessoas que não sejam franco maçons de fato ou de coração. Os liberais não são forçosamente franco maçons de fato; são franco maçons de coração e por isso seu coração nos é exatamente revelado por seus discursos sobre a declaração dos direitos s de 1789. A medida que se aprende a conhecer um pouco melhor a essência dos partidos políticos, da representação parlamentar, da imprensa, se adverte que os franco maçons souberam perfeitamente estabelecer-se nas formações e nos jornais com vocação de servir-lhes. Mas também nos outros. Em todos os outros ou em quase todos.
Meu plano, a este respeito, modesto e limitado, sempre foi criar, favorecer, ampliar um espaço de liberdade social e política onde os franceses de tradição nacional e católica pudessem reconhecer-se, informar-se, instruir-se, sem serem acompanhados e influenciados por aqueles, conscientes ou não, mais ou menos afiliados secretamente a franco maçonaria ou intelectualmente anexados a seu ideal anti dogmático.
Meu plano, a este respeito, modesto e limitado, sempre foi criar, favorecer, ampliar um espaço de liberdade social e política onde os franceses de tradição nacional e católica pudessem reconhecer-se, informar-se, instruir-se, sem serem acompanhados e influenciados por aqueles, conscientes ou não, mais ou menos afiliados secretamente a franco maçonaria ou intelectualmente anexados a seu ideal anti dogmático.
(*) Publicado na Revista "Roma" N 98, de março de 1987.
Jean Madiran é Jornalista e escritor, autor de obras políticas como (Maurras et comme Les deux démocraties), literárias como (Brasillach), filosóficas como (Gilson, « Chroniques philosophiques » et comme Le principe de totalité), e religiosas como (Le Concile en question).
De 1956 à 1996 : foi diretor-fundador da revista mensal Itinéraires.
Depois de 1982 : co-diretor-fundador do diário Présent.
2 comentários:
Interessante artigo; no que tange o plano ideológico sem dúvida tem muito de verdade.
No entanto, a defesa do liberalismo econômico não se baseia em nenhum amor à "liberdade" como fazem parecer alguns ideólogos recentes. Defende-se o livre mercado (e liberalismo nada mais é do que a defesa do livre mercado) porque com ele a população pode viver melhor, com menos sofrimento e com padrão de vida mais elevado.
De fato, esse é um assunto que tratei recentemente no meu blog, para quem se interessar: www.tavista.blogspot.com
E não só não é maçônico (o liberalismo econômico) como é absolutamente contrário a todos os planos e eventos geralmente associados à maçonaria (revolução francesa, bancos centrais, ONU, sufrágio universal).
Cheguei ao blog por meio de uma propaganda no meu scrapbook no Orkut. Parabéns pela iniciativa!
Plano ideológico: sem margem a dúvidas está correto Jean Madiran nesse sentido, de modo que, Louis Salleron salientava em seu livro Libéralisme et socialismo du XVIIIe siécle à nos jours, que nunca o poder havia sido menos coercitivo que no século XVIII. Mas "as luzes" conscientizam os indivíduos. Eles querem governar-se a si mesmos. O que eles aceitam cada vez menos é o princípio da autoridade.
Economia Liberal: Não obstante se preconizar a a garantia da liberdade de mercado em face do intervencionismo estatal, a economia liberal, creio eu, nunca chegou a ser um regime de liberdade absoluta - a não ser em tese -, mesmo porque um tal regime supõe ausência do Estado e de uma ordem jurídica positiva; ela é de certo modo uma economia dirida, de modo que o próprio Salleron, dizia que da economia liberal à economia dirigida não há senão uma diferença de grau.
A liberdade econômica é necessária e legítima. O que se deve ter por parte do Estado é o respeito as sociedades menores, aos corpos subsidiários, ou de "acrecimo" na expressão de Marcel de Corte. O Estado deve exercer um função supletiva, fornecendo subsídios, dai o "princípio da subsidiaridade". Não é uma espécie de Privdência dadivosa como querem os socialistas.
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