domingo, 25 de março de 2007

Arlindo Veiga dos Santos: o poeta brasileiro de Pátria Nova

Ricardo Dip (delegado da Comunhão Tradicionalista no Brasil)

Ricardo Henry Marques Dip, nasceu em 23 de novembro de 1950, em São Paulo. Após diplomar-se em Comunicação Social (1972) e Direito (1973), ingressou na Magistratura judicial do Estado de São Paulo (1979), em que agora ocupa o cargo de Desembargador na Suprema Corte estadual. Além do magistério universitário em seu País, é professor convidado da pós-graduação da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Buenos Aires (Argentina), membro fundador do Instituto Jurídico Interdisciplinar da Faculdade de Direito da Universidade do Porto (Portugal) e acadêmico de honra da Real Academia de Jurisprudencia y Legislación de Madrid (Espanha). É autor de vários livros, publicados no Brasil, em Portugal, na Espanha e na Argentina.

A um jesuíta italiano, Juan Antonio Andreoni (1649-1716) –que escreveu sob o pseudônimo de André João Antonil– em Cultura e Opulência do Brasil (1711), se atribui uma sentença que diz: "o Brasil é o inferno dos negros, o purgatório dos brancos e o paraíso dos mulatos e mulatas". Há quem diga (1) que, antes de Antonil, frase similar já se encontrava no título de um livro, que se perdeu, escrito por D. Francisco Manuel de Melo (2). Esse "Brasil inferno dos negros" –provenha o enunciado do padre toscano ou do prosador barroco– é uma referência relativamente injusta, porque, em verdade, pior viviam os negros na África, também escravizados, em prisões e passíveis de antropofagia, ao passo que, ainda que trazidos para o Brasil na dura condição de escravos, passaram viver na companhia, dos brancos portugueses e de seus descendentes. O efeito da mestiçagem, no Brasil, é uma realidade que, em última instância, se explica por meio da cosmovisão lusíada que, na busca dos descobrimentos marítimos, se inspirava, como há dito José Pedro, em fazer cristandades. Do que segue o conhecido ditado popular: "Deus fez o homem e o português o mulato".
Se costuma imputar a cultura negra a extroversão e o ânimo de benevolência da psicologia do tipo brasileiro médio (3), mas – enquanto esta inclinação de benevolência e extroversão, possam entender-se como virtudes – se atribui em contrapartida a influência africana indolência do brasileiro, como a retratou o pernambucano Ascenso Ferreira (1895-1965) no mais célebres de seus poemas:
"Hora de comer – ¡comer!
Hora de dormir – ¡dormir!
Hora de vagar – ¡vagar!
¿Hora de trabalhar?
–Pernas para o ar que ninguém é de ferro"(4).
A desmentir, contudo, a extensão fatídica dessa marca de indolência, como também para desmascarar o exagero de algumas afirmações de racismo em terras do Brasil, nelas viveu ARLINDO VEIGA DOS SANTOS (1902 ou 1905-1978), esse brasileiro infatigável, descendente dos povos africanos, que foi fundador, em 1931, e primeiro presidente da Frente Negra Brasileira –que constituiu o mais importante movimento dos negros do Brasil na primeira metade do século XX. Foi ele, também, um grande pensador da hispanidade. Em 1958, Francisco Elías de Tejada incluiu Arlindo Veiga dos Santos "entre os maiores expoentes atuais do pensamento político tradicional das Espanhas cristãs e anti - européias" (5). Intelectual, professor da outrora Universidade Católica de São Paulo, Veiga dos Santos traduziu para o português o De regimine principum de S.Tomás de Aquino e Le crépuscule de la civilisation de Jacques Maritain. Poeta, cantou a tradição do Brasil, católico e hispânico:
"O certificado santo do Batismo
que me centrou em Cristo
me marcou sobre a terra
para o universalismo da vocação cristã...
(......) Não sou daqui ou dali;
sou de todos:
do Brasil, de Portugal,
de Moçambique, atalaia
da empresa oriental;
de Angola, Timor, Guiné,
Diu, Goa, Macau, Açores,
da ideal ‘Ilha dos Amores’,
Cabo-Verde e as ilhas suaves
onde pulsa Funchal,
do Príncipe e São Tomé.
(......) São meus patrícios imperiais
Bilac, Eça, Sardinha e Don Dinis; Camões,
Casimiro, Garret; Isabel e Florbela;
os violeiros
das vastidões interioranas, trovadores
de África, Oceania, Ilhas e lusa China,
do Continente todas as vastidões
herança dos Avôs, almas de aventureiros,
cruzados da Liberdade Divina,
honra da Cristiandade,
sábios, campeões da Cruz e da fraternidade que a Mãe Igreja ensina
para o bem da humanidade.
Terras de Santa Maria!
Terras da Imaculada Conceição,
D’ Aquela que na Cova da Iria,
mais de uma vez,
à nós se dirigiu em Português!
Terras Lusitanas (que Neo-Luso eu sou em reta varonia!),
em vós nasci no Sangue e pelo Espírito,
pela Cultura e pelo Coração.
Terras de Santa Maria!
Terras da Imaculada Conceição!"(6).

E Arlindo Veiga dos Santos, que teve certa vez "a sensação misteriosa das Idéias que marcham em silêncio"(7), fez uma invocação suprema –"a mais alta possível na terra e em uma pátria nomeadamente cristã e católica" (8) – e, confiado na Trindade Santíssima, fundou, em São Paulo, no ano de 1928, o movimento "Pátria Nova – Centro Monárquico de Cultura Social e Política", que, a partir de 1935, passou a designar-se "Ação Imperial Patrianovista Brasileira"(9). Pátria Nova foi também o nome da revista que o movimento fundado por Veiga dos Santos lançou em 1929 (10). Pátria Nova, poderia dizer-se um carlismo do Brasil; Pátria Nova, de certa maneira, foi um precursor remoto do que se tornaria o grande movimento tradicionalista de Hora Presente, onde, com José Pedro, Lema Garcia, Fraga Teixeira, Casseb, Orsini, Galli, Barros Siciliano, entre outros, se ouviria a voz da autêntica hispanidade - brasileira.
O programa originário do patrianovismo estabelecia, no plano da política internacional, "um sistema de alianças fundamentais baseadas" nas tradições de "família lusitana ou lusíada (...) e, mais extensamente, hispanicas ou neo-hispanicas" (11). E porque amadureceu a idéia da integração do Brasil no mundo hispanico, o pensamento de Pátria Nova se completou pela doutrina de Reconquista, em que, no Brasil, José Pedro Galvão de Sousa, na Espanha, Francisco Elías de Tejada, e em Portugal, Fernando de Aguiar, afirmavam conjuntamente a Tradição Hispanica (12).
Atualização da doutrina monárquica tradicional (13), Arlindo Veiga dos Santos concebia o patrianovismo como "doutrina dinâmica com base no principio estático - dinâmico da tradição" (14). Dizia que era preciso instaurar a novidade da tradição – e não meramente restaurar o passado – porque "tradição é passado em marcha" e "não uma parada romântica no caminho do futuro" (15). A história do Brasil, nos diz ele, começa na Idade Media, quando se funda Portugal: "toda manobra contra a lusitanidade fundamental do Brasil destrói sua brasilidade" (16). Por isso, "toda política que não seja tradição é seguramente traição" (17).
E, ainda agora, quando parece que o mundo – o mundo, in maligno positus – , quando parece que o mundo se abate sobre a milícia do ideal da Hispanidade, talvez nos reconforte a voz do poeta Veiga dos Santos, do poeta brasileiro da tradição:
"Quando dei por perdidas as batalhas,
quando dava a vitória por perdida,
ouvi na sombra a legião de Idéias
que marcham poderosas no silêncio..." (18).

NOTAS: 1 - Gladstone Chaves de Melo, Origem, Formação e Aspectos da Cultura Brasileira, ed. Padrão, Rio de Janeiro, 1974, p. 76.
2 - Francisco Manuel de Melo (1608-1666), escritor bilingüe —en português e castelhano— foi um dos maiores literatos do barroco lusitano. Escreveu Historia dos movimentos e separação de Catalunha (1645), Epanáforas de Varia Historia Portuguesa (1660), Cartas Familiares (1664), Obras Métricas (1665), Carta de Guia de Casados (1651); se publicaram póstumamente : Auto do Fidalgo Aprendiz (1676) e Apólogos Dialogais (1721). Esteve no Brasil, cumprindo pena de desterro, entre 1655 e 1658, acusado de conivência no homicídio de um certo Francisco Cardoso.
3 - Chaves de Melo, op. cit., p. 74.
4 - Filosofia, dedicado a José Pereira de Araújo, "Doutorzinho de Escada". 5 - Arlindo Veiga dos Santos desde o Tradicionalismo Castelhano, Revista da Universidade Católica de São Paulo, dezembro de 1958, vol.
16, n. 28, separata, p. 7.
6 - "Minha Nação e Império" in Sentimentos da Fé e do Império, s.d.
7 - "Idéias em Marcha", in Sentimentos da Fé e do Império. 8 - "A História Continua Ensinando…", in Idéias que Marcham em Silêncio, 1962, p. 1
9 - Cfr. José Pedro Galvão de Sousa, Clovis Lema Garcia e José Fraga Teixeira de Carvalho, Dicionário de Política, ed. T.A.Queiroz, São Paulo, 1998, p. 408.
10 - Havia antes um semanário português, editado em Coimbra, também chamado "Pátria Nova". O dirigiu Luís de Almeida Braga (1886-1970), que, influenciado pela doutrina carlista, fundou, em 1913, a revista "Alma Portuguesa", em cujas páginas se alcunho o término "integralismo lusitano".
11 - "Programa Patrianovista" in Idéias que Marcham em Silêncio, p. 141. 12 – No Dicionário de Política, escrito por José Pedro, Clovis Lema Garcia e José Fraga Teixeira de Carvalho, depois de menciones acerca del patrianovismo brasileño —"Um dos pontos do programa de Pátria Nova era o especial entendimento hispano - americanista. Com o correr dos anos, esse ponto foi sendo mais amadurecido, por uma compreensão profunda da lusitanidade e da integração brasileira no mundo hispanico. Ademais, desde o primeiro momento, Pátria Nova acentuava as origens lusas do Brasil e se abria em comunhão com os povos vizinhos e irmãos do Continente"– consta um expressivo registro sobre o tradicionalismo: "Nessas perspectivas, o pensamento tradicionalista de Pátria Nova foi completado por Reconquista, revista bilingüe de cultura, publicada de 1950 a 1952 também em São Paulo, tendo como co - diretores, no Brasil, a José Pedro Galvão de Sousa (1912-1992), em Espanha, a Francisco Elías de Tejada (1917-1978) e em Portugal, a Fernando de Aguiar". E, mais adiante se arremata: o núcleo desse pensamento hispano - americanista se põe com "a concepção orgânica da sociedade e do poder e a convicção monárquica fundada na história e na sociologia". Há um episódio digno de acordo: José Pedro esteve um tempo em duvida acerca do nome da nova revista que, então, pensava em fundar; todavia solteiro, ele vivia em um apartamento na Avenida Angélica, São Paulo, onde certo dia lhe foi visitar Veiga dos Santos que tinha uma sugestão para o nome da nova revista – justo o nome que se adotou: Reconquista.
13 - Idéias que Marcham em Silêncio, p. 39.
14 - Id., p. 43.
15 - Id., p. 24.
16 - Id., p. 81.
17 - Id., p. 73.
18 - In Sentimentos da Fé e do Império, p. 31.



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Fernando Rodrigues Batista

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Católico tradicionalista. Amo a Deus, Uno e Trino, que cria as coisas nomeando-as, ao Deus Verdadeiro de Deus verdadeiro, como definiu Nicéia. Amo o paradígma do amor cristão, expressado na união dos esposos, na fidelidade dos amigos, no cuidado dos filhos, na lealdade aos irmãos de ideais, no esplendor dos arquétipos, e na promessa dos discípulos. Amo a Pátria, bem que não se elege, senão que se herda e se impõe.

"O PODER QUE NÃO É CRISTÃO, É O MAL, É O DEMONIO, É A TEOCRACIA AO CONTRÁRIO" Louis Veuillot