Se costuma imputar a cultura negra a extroversão e o ânimo de benevolência da psicologia do tipo brasileiro médio (3), mas – enquanto esta inclinação de benevolência e extroversão, possam entender-se como virtudes – se atribui em contrapartida a influência africana indolência do brasileiro, como a retratou o pernambucano Ascenso Ferreira (1895-1965) no mais célebres de seus poemas:
Hora de dormir – ¡dormir!
Hora de vagar – ¡vagar!
¿Hora de trabalhar?
–Pernas para o ar que ninguém é de ferro"(4).
que me centrou em Cristo
me marcou sobre a terra
para o universalismo da vocação cristã...
(......) Não sou daqui ou dali;
sou de todos:
do Brasil, de Portugal,
de Moçambique, atalaia
da empresa oriental;
de Angola, Timor, Guiné,
Diu, Goa, Macau, Açores,
da ideal ‘Ilha dos Amores’,
Cabo-Verde e as ilhas suaves
onde pulsa Funchal,
do Príncipe e São Tomé.
(......) São meus patrícios imperiais
Bilac, Eça, Sardinha e Don Dinis; Camões,
Casimiro, Garret; Isabel e Florbela;
os violeiros
das vastidões interioranas, trovadores
de África, Oceania, Ilhas e lusa China,
do Continente todas as vastidões
herança dos Avôs, almas de aventureiros,
cruzados da Liberdade Divina,
honra da Cristiandade,
sábios, campeões da Cruz e da fraternidade que a Mãe Igreja ensina
para o bem da humanidade.
Terras de Santa Maria!
Terras da Imaculada Conceição,
D’ Aquela que na Cova da Iria,
mais de uma vez,
à nós se dirigiu em Português!
Terras Lusitanas (que Neo-Luso eu sou em reta varonia!),
em vós nasci no Sangue e pelo Espírito,
pela Cultura e pelo Coração.
Terras de Santa Maria!
Terras da Imaculada Conceição!"(6).
E Arlindo Veiga dos Santos, que teve certa vez "a sensação misteriosa das Idéias que marcham em silêncio"(7), fez uma invocação suprema –"a mais alta possível na terra e em uma pátria nomeadamente cristã e católica" (8) – e, confiado na Trindade Santíssima, fundou, em São Paulo, no ano de 1928, o movimento "Pátria Nova – Centro Monárquico de Cultura Social e Política", que, a partir de 1935, passou a designar-se "Ação Imperial Patrianovista Brasileira"(9). Pátria Nova foi também o nome da revista que o movimento fundado por Veiga dos Santos lançou em 1929 (10). Pátria Nova, poderia dizer-se um carlismo do Brasil; Pátria Nova, de certa maneira, foi um precursor remoto do que se tornaria o grande movimento tradicionalista de Hora Presente, onde, com José Pedro, Lema Garcia, Fraga Teixeira, Casseb, Orsini, Galli, Barros Siciliano, entre outros, se ouviria a voz da autêntica hispanidade - brasileira.
O programa originário do patrianovismo estabelecia, no plano da política internacional, "um sistema de alianças fundamentais baseadas" nas tradições de "família lusitana ou lusíada (...) e, mais extensamente, hispanicas ou neo-hispanicas" (11). E porque amadureceu a idéia da integração do Brasil no mundo hispanico, o pensamento de Pátria Nova se completou pela doutrina de Reconquista, em que, no Brasil, José Pedro Galvão de Sousa, na Espanha, Francisco Elías de Tejada, e em Portugal, Fernando de Aguiar, afirmavam conjuntamente a Tradição Hispanica (12).
Atualização da doutrina monárquica tradicional (13), Arlindo Veiga dos Santos concebia o patrianovismo como "doutrina dinâmica com base no principio estático - dinâmico da tradição" (14). Dizia que era preciso instaurar a novidade da tradição – e não meramente restaurar o passado – porque "tradição é passado em marcha" e "não uma parada romântica no caminho do futuro" (15). A história do Brasil, nos diz ele, começa na Idade Media, quando se funda Portugal: "toda manobra contra a lusitanidade fundamental do Brasil destrói sua brasilidade" (16). Por isso, "toda política que não seja tradição é seguramente traição" (17).
E, ainda agora, quando parece que o mundo – o mundo, in maligno positus – , quando parece que o mundo se abate sobre a milícia do ideal da Hispanidade, talvez nos reconforte a voz do poeta Veiga dos Santos, do poeta brasileiro da tradição:
"Quando dei por perdidas as batalhas,
quando dava a vitória por perdida,
ouvi na sombra a legião de Idéias
que marcham poderosas no silêncio..." (18).
NOTAS: 1 - Gladstone Chaves de Melo, Origem, Formação e Aspectos da Cultura Brasileira, ed. Padrão, Rio de Janeiro, 1974, p. 76.
2 - Francisco Manuel de Melo (1608-1666), escritor bilingüe —en português e castelhano— foi um dos maiores literatos do barroco lusitano. Escreveu Historia dos movimentos e separação de Catalunha (1645), Epanáforas de Varia Historia Portuguesa (1660), Cartas Familiares (1664), Obras Métricas (1665), Carta de Guia de Casados (1651); se publicaram póstumamente : Auto do Fidalgo Aprendiz (1676) e Apólogos Dialogais (1721). Esteve no Brasil, cumprindo pena de desterro, entre 1655 e 1658, acusado de conivência no homicídio de um certo Francisco Cardoso.
3 - Chaves de Melo, op. cit., p. 74.
4 - Filosofia, dedicado a José Pereira de Araújo, "Doutorzinho de Escada". 5 - Arlindo Veiga dos Santos desde o Tradicionalismo Castelhano, Revista da Universidade Católica de São Paulo, dezembro de 1958, vol.
16, n. 28, separata, p. 7.
6 - "Minha Nação e Império" in Sentimentos da Fé e do Império, s.d.
7 - "Idéias em Marcha", in Sentimentos da Fé e do Império. 8 - "A História Continua Ensinando…", in Idéias que Marcham em Silêncio, 1962, p. 1
9 - Cfr. José Pedro Galvão de Sousa, Clovis Lema Garcia e José Fraga Teixeira de Carvalho, Dicionário de Política, ed. T.A.Queiroz, São Paulo, 1998, p. 408.
10 - Havia antes um semanário português, editado em Coimbra, também chamado "Pátria Nova". O dirigiu Luís de Almeida Braga (1886-1970), que, influenciado pela doutrina carlista, fundou, em 1913, a revista "Alma Portuguesa", em cujas páginas se alcunho o término "integralismo lusitano".
11 - "Programa Patrianovista" in Idéias que Marcham em Silêncio, p. 141. 12 – No Dicionário de Política, escrito por José Pedro, Clovis Lema Garcia e José Fraga Teixeira de Carvalho, depois de menciones acerca del patrianovismo brasileño —"Um dos pontos do programa de Pátria Nova era o especial entendimento hispano - americanista. Com o correr dos anos, esse ponto foi sendo mais amadurecido, por uma compreensão profunda da lusitanidade e da integração brasileira no mundo hispanico. Ademais, desde o primeiro momento, Pátria Nova acentuava as origens lusas do Brasil e se abria em comunhão com os povos vizinhos e irmãos do Continente"– consta um expressivo registro sobre o tradicionalismo: "Nessas perspectivas, o pensamento tradicionalista de Pátria Nova foi completado por Reconquista, revista bilingüe de cultura, publicada de 1950 a 1952 também em São Paulo, tendo como co - diretores, no Brasil, a José Pedro Galvão de Sousa (1912-1992), em Espanha, a Francisco Elías de Tejada (1917-1978) e em Portugal, a Fernando de Aguiar". E, mais adiante se arremata: o núcleo desse pensamento hispano - americanista se põe com "a concepção orgânica da sociedade e do poder e a convicção monárquica fundada na história e na sociologia". Há um episódio digno de acordo: José Pedro esteve um tempo em duvida acerca do nome da nova revista que, então, pensava em fundar; todavia solteiro, ele vivia em um apartamento na Avenida Angélica, São Paulo, onde certo dia lhe foi visitar Veiga dos Santos que tinha uma sugestão para o nome da nova revista – justo o nome que se adotou: Reconquista.
13 - Idéias que Marcham em Silêncio, p. 39.
14 - Id., p. 43.
15 - Id., p. 24.
16 - Id., p. 81.
17 - Id., p. 73.
18 - In Sentimentos da Fé e do Império, p. 31.
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