sábado, 28 de abril de 2007

Aforismos de Gustave Thibon


FOME DE FELICIDADE: Santo Deus, o que ai vai de ambições! Queres isso, aquilo e mais aquilo. Muito bem. Mas já pensaste em saber se mereces que todas essas coisas te queiram a ti? Desunhas-te na recolha da felicidade. Procura antes tornar-te digno de ser escolhido pela felicidade. Quando fores suficientemente puro, verás como a felicidade te segue por toda a parte: por mais que lhe fujas, ela irá ter contigo, onde quer que te encontres.

VAZIO INTERIOR: Um homem exaure-se na medida em que não existem, para ele, seres ou coisas insubstuíveis. Faz lembrar um buraco que se cuidasse poder tapar seja com o que for, e que o essencial é tapado. Daí, e paralelamente, a maré alta do vazio interior e da paixão pelo dinheiro. Desde o instante em que se pensa que nada do que se ama é insubstituível, logo se acredita que basta ter dinheiro para tudo substituir.


OBEDIÊNCIA E SERVIDÃO: Não se foge a obediência, senão para cair na servidão. Afliges-te, vendo de que é que os homens são escravos? Se queres a chave deste "mistério de abjeção", procura ver a quem é que eles fogem de servir. O homem não escapa à autoridade das coisas do alto, que o sustentam, senão para cair na tirania das coisas de baixo, que o devoram.
Noli judicare - etiam teipsum. - Vede estes homens. O que sofrem e porque sofrem. Ora, o azedume, de que dão provas, tem uma origem. É que passam o tempo a comparar-se com os outros. Este jogo entusiama-os. Mas também os irrita e desmoraliza. Quando aprenderão, finalmente, a considerarem-se único, e não a julgarem-se em comparação com os outros? Seria esta a aurora da verdadeira humildade. Para que precisas tu de te confrontar com os teus irmãos? Não te basta saberes que é filho de Deus?
A inferioridade natural não é mal nenhum. A desordem começa onde começam o orgulho e a ambição. Quem é humilde ama a sua miséria, sem que para isso precise de a dourar. Não se perturba, por se ver inferior aos outros. Porque é humilde, não tem no coração qualquer ídolo a defender, com o falso verniz das ilusões, contra o fulgor incoercível da verdade.
Ser humilde é viver a própria independência em relação ao ser exterior. É sentir-se alegremente oferecido, doado, entregue à realidade extrapessoal. É prestar para alguma coisa, no mundo. É viver para além das própria diversões. A vontade do humilde situa-se, por conseguinte, sob o signo da liberdade e do Amor. Em vez de se frechar no seu próprio egoísmo, o "eu" do humilde abre-se livremente para o Amor


(Gustave Thibon, A Escada de Jacob, p. 31-33)

O dever que nos impõe a hora presente

As vetustas considerações de Antonio Sardinha abaixo transcritas vencem o escoamento do tempo e se nos apresenta como uma diretriz a ser seguida.
Nada obstante, termos ciência de que poucos são os abnegados a se disporem a tal empresa, da crença em ideal maior que nós mesmos, o que não se conquista sem penosos sacrifícios; estamos certos de estes poucos, porém, nobres homens de fé, muito podem empreender no sentido de salvaguardar o que ainda resta de civilização ocidental e cristã. Não constituem palavras atiradas ao vácuo, não se trata de mera utopia, mas a crença inquebrantável de que, como disse alguém, mais vale acender uma vela do que amaldiçoar a escuridão.


Amamos a vida, porque grita e estua dentro de nós. Mas amamos a vida no equilíbrio, na saúde, na posse dela própria.
Amamos a vida vivendo-a. E vivê-la não é estilizá-la, nem desperdiça-la. É referi-la a nós mesmos, é dar-lhe um sentido de atualidade e permanência.
Não a colocamos nem no Passado, nem na Imaginação, como a colocavam os avós literários de 1830. Muito menos a passeamos pelos terraços da Decadência, sonhando, em atmosferas de paradoxo e haxixe, uma beleza falsa de Paraíso Artificial.
A vida para nós é uma utilidade. Mas confira-se à palavra utilidade um significado de nobreza. É um utilidade que não nos pertence e que é preciso servir.
"Non Serviam!" – foi o grito rebelado de quantos apareceram primeiro que nós.
SERVIR! – é agora a ânsia mais funda do nosso coração, em que parece frutificar a semente de um misticismo novo. Por isso surgimos no momento máximo duma crise já secular. E logo nos tocou o gosto admirável da ordem, - como que um inesperado instinto de higiene interior e de arranjo social. Ia-se abaixo, num estridor de catástrofe, o patrimônio histórico da nacionalidade.
Dentro de nós, ressuscitou a psicologia ingênua de "Petit-Chose", jurando ao desalento da sua trapeira reconstruir o lar em ruínas. Foram diversas as jornadas que nos trouxeram a esta unidade de corpo e alma, que é o segredo da nossa vitória. Uns pegaram em armas e andaram rilhando a côdea dura dos guerrilheiros pelas ribas ásperas do exílio. Outros padeceram a agonia da própria mentira e só à custa de suores de sangue encontraram a sua estrada de Damasco. Hoje (...) existe uma vontade em nós, porque em nós existe uma crença.


Antônio Sardinha, em "Ao Ritmo da Ampulheta" de 1923.

A Virgem ao meio dia

Paul Claudel


É meio dia. Eu vejo a igreja aberta. E devo entrar.
Mãe de Nosso Senhor, eu não venho rezar.
Nada tenho a pedir e nada a oferecer
Venho somente, ó minha Mãe, para vos ver.
Ver, chorar de felicidade, não saber mais
Do que isto só: que eu sou vosso filho e que aí estais.
Por um momento só quando tudo está quieto.
Meio dia!Estar convosco, assim, sob este mesmo teto.
Nada dizer, contemplar a vossa imagem,
Deixar que o coração cante a própria linguagem,
Nada dizer, mas apenas cantar, porque a alma está cheia demais,
Como o melro que desfia a sua idéia pelo espaço em estrofescasuais.
Porque vós sois tão formosa, porque vós sois a toda imaculada,
A mulher afinal na Graça restaurada,
A criatura na sua honra primeira e na sua plenitude final,
Tal qual saiu das mãos de Deus na Manhã do seu esplendororiginal.
Intacta inefavelmente porque vós sois a Mãe de Jesus Cristo.
Que é a verdade entre vossos braços, e a única esperança e o único fruto,
Porque vós sois a mulher, o Éden da antiga ternura olvidada
Cujo olhar encontra, súbito, o coração e faz jorrar as lágrimasacumuladas,
Porque me quisestes salvar, porque quisestes salvar a França,
Porque ela também, como eu, para vós foi uma coisa na lembrança,
Porque foi quando tudo ruía que vós quisestes intervir por nós,
Porque quem salvou a França ainda uma vez fostes vós,
Porque é meio dia, porque estamos no dia de hoje e estamos sós.
Porque vós aí estais para sempre, simplesmente porque vóssois Maria,
simplesmente porque existis, mais nada,
Mãe de Nosso Senhor, graças vos sejam dadas!

(trad. Guilherme de Almeida)

segunda-feira, 9 de abril de 2007

Fragmentos do pensamento do Padre Leonardo Castellani: "Um profeta dos últimos tempos"

Padre Leonardo Castellani


"Temos que lutar por todas as coisas boas que ainda restam até o último reduto. Prescindindo de si essas coisas serão todas «integradas de novo em Cristo», como dizia São Pio X, por nossas próprias forças ou pela força incontrolável da Segunda Vinda de Cristo. «A Verdade é eterna, e ha de prevalecer, seja que eu a faça prevalecer ou não». Por isso devemos nos opor a lei do divórcio, devemos nos opor a nova escravidão e a guerra social, e devemos nos opor a filosofia idealista, e isso sem saber se vamos vencer ou não. «Deus não nos pede que vençamos, Deus nos pede que não sejamos vencidos». A Igreja é eterna!, dizem os democristãos. A Igreja é eterna no sentido que Jesus Cristo falou; mas a organização externa da Igreja, digamos o Vaticano, não é eterna: essa organização tem sido quebrada e reformada muitas vezes. E a Igreja será quebrada ao final do mundo. O que é eterno é alma do homem unida a Deus... unida a Deus para ser usada (San Agustín y nosotros, págs. 106-107).

"Quando já não reste nada por salvar, sempre e no entanto há que salvar a alma (...) É muito possível que sobre a pressão das pragas em que está caindo sobre mundo, e dessa nova falsificação do catolicismo, no contexto da cristandade ocidental se segue desfazendo de tal forma que, para um verdadeiro cristão, dentro de pouco não haverá nada que fazer na ordem da coisa pública. Agora, a voz de ordem é ater-se à mensagem essencial do cristianismo: fugir do mundo, crer em Cristo, fazer todo o bem que se possa, desapegar-se das coisas criadas, guardar-se dos falsos profetas, recordar a morte. Em uma palavra, dar com a vida testemunho da Verdade e desejar a volta de Cristo. Em meio disso, temos que buscar nossa salvação cuidadosamente (...) Os primeiros cristãos não sonhavam em reformar sistema judicial do Império Romano, senão com todas suas forças em ser capazes de enfrentar as feras; e em contemplar com horror no imperador Nero o monstruoso poder do diabo sobre o homem (A modo de Prólogo. Decíamos ayer, páginas 31-32).


«Há que se trabalhar como se o mundo como se o mundo houvesse de durar para sempre; mas há que se tem em mente que o mundo não vai durar para sempre». Esta atitude, aparentemente contraditória ou impossível, tem sido sempre a consigna dos espíritos religiosos em todas as grandes crises da história. Os dois términos parecem inconciliáveis; e o seriam se não fosse pelo misterioso catalítico que é a fé. Mas, o valor pragmático da atitude apokalyptica pode apreciar-se ainda fora da fé, por um positivista de talento, por exemplo. Por isso não hemos vacilado em publicar, e isso com não poucos esforços e risco, em meio da incerteza e a dor desta hora, um ensaio sobre o Apokalypsis, que a superficialidade de algum qualificará, sem dúvida, de «pessimista». É pessimismo construtivo (Visión religiosa de la crisis actual. Cristo, ¿vuelve o no vuelve? página 284).

Há muita substância para o filósofo esta frase do Anjo: "O tempo se acabou". O fim da criação de Deus é intemporal, ainda que para esse fim se mova o Tempo. O término e o fim do mundo não coincidem omnímodamente; pois sabe-se que um movimento pode chegar a seu término sem alcançar seu fim; simplesmente pode fracassar como tem fracassado tantas grandes empresas humanas; começando pela torre de Babel e acabando pela Sociedade das Nações.O término da Historia será uma catástrofe, mas o objetivo divino da História será alcançado em uma meta-história, que não será uma nova criação senão uma transposição; pois "novos céus e nova terra" significa renovadas todas as coisas de acordo a seu prístino patrão divino.Assim como a Providência e a ação - inclusive milagrosa - do Alvedrio de Deus acompanha a história do Alvedrio do Homem, assim em sua resolução e fim intervirão ambos agentes; e por isso o Fim do Mundo será Duplo. A Humanidade se suicidará; e Deus a ressuscitará; não fazendo-a de novo, mais transpondo-a ao plano do Eterno. (...)O talante do Cristianismo não é Pessimismo; menos ainda é o Otimismo beato da filosofia iluminística, o famoso "Progresso Indefinido". A Profecia cristã nos da uma posição que está acima desses dois extremos simplistas, onde caem hoje todos "os que não tem o selo de Deus em suas faces". O mundo dirige-se a uma catástrofe intrahistórica que condiciona um triunfo extrahistórico; ou seja una transposição da vida do mundo em um pósmundo; e do Tempo em um Supertiempo; no qual nossas vidas não vão ser aniquiladas e logo criadas novamente, senão - como é digno de Deus- transfiguradas elas todas por inteiro, sem perder um só de seus elementos (El Apocalipsis de San Juan, páginas 124-126).

"Os espíritos religiosos, como bons médicos, cheiram a morte, mas seguem medicando. É a atitude paradoxal da fé. A fé assegura ao cristão que este ciclo da Criação tem seu fim; que o fim será precedido por uma tremenda agonia e seguido de uma esplendida reconstrução; ou em palavras religiosas que «Cristo volta um dia a por a seus inimigos de assento de seus pés e a tomar posse efetiva do Reino dos Céus trasladado a terra...» Assim o diz o Texto, eu não sou só o responsável por esta enormidade (...) Por um paradoxo de psicologia profunda, esta literatura pessimista tem sustentado o otimismo construtivo do Cristianismo (Visión religiosa de la crisis actual. Cristo, ¿vuelve o no vuelve?, página 285).

Quando as imensas vicissitudes do drama da Historia, que estão por cima do homem e seu mesquinho racionalismo, chegam a um ponto que excede a seu poder de medicação e inclusive a seu poder de compreensão - como é o caso em nossos dias -, só o crente possui o talismã de ficar tranqüilo para seguir trabajando (...) Quando parece que os cimentos do mundo cedem e se decompõem totalmente a estrutura íntegra - como passou, por exemplo, no século XIV- então o sábio lê o Apokalipsis e diz: «Tudo isto está previsto e muito mais. ¡Atentos! Mas depois disso vem a vitória definitiva. O mundo deve morrer. Ainda que muitas enfermidades tem curado já, uma enfermidade será a última. Mas, a alma do mundo, como a do homem, não é uma coisa mortal» (...) A consideração da visão religiosa da crise atual é um dos motores mais poderosos (o primeiro motor inclusive) do movimento político e econômico. Se o homem não tem uma idéia de a donde vai, não se move; ou, se, se segue movendo, chega um momento em que seu movimento deixa de ser humano e se volta uma convulsão (Visión religiosa de la crisis actual. Cristo, ¿vuelve o no vuelve?, pág. 286).

"A união das nações em grandes grupos, primeiro e depois em um só Império Mundial (sonho potente e grande movimento do mundo de hoje) não pode fazer-se senão por Cristo ou contra Cristo. O que só pode fazer Deus (e que fará ao final, segundo acreditamos, conforme está prometido), o mundo moderno intenta febrilmente construi-lo sem Deus; apostatando de Cristo, abominando do antigo esboço de unidade que se chamou Cristandade e oprimindo ferreamente inclusive a natureza humana, com a supressão pretendida da família e das pátrias. Mas nós, defenderemos até o final essa parcelas naturais da humanidade, esses núcleos originários; com a consigna não de vencer senão de não ser vencidos. Quer dizer, sabendo que se somos vencidos nesta luta, esse é o maior triunfo; porque se o mundo se acaba, então Cristo disse a verdade. E então o acabamento é garantia de ressurreição

(Visión religiosa de la crisis actual. Cristo, ¿vuelve o no vuelve?, pág. 289-290).

sábado, 7 de abril de 2007

Coroa de espinhos


"Em nosso tempo de Revolução, de revolução que se cobre, segundo as circunstâncias, de etiquetas diversas: libertação, independência ou socialismo, o único direito com valor absoluto seria o direito dos ideólogos, de que gozam secundariamente os terroristas que os servem".

"Os assassinos da Fé são, hoje, os especialistas, os teólogos. Suas armas de morte? A liberdade, a história, a ciência, a consciência, e mais recentemente esta arma de persuasão: o pluralismo (Armas que eram das "Oficinas" das lojas maçônicas, antes de 1789)

P. Luc J. Lefèvre

Dialética da História

Padre Júlio Meinvielle

Immortale Dei: "Houve um tempo em que a filosofia do evangelho governava os Estados. Então aquela energia própria da sabedoria cristã, aquela sua divina virtude, havia compenetrado as leis, as instituições, os costumes dos povos, infiltrando-se em todas as classes e relações da sociedade; a religião fundada por Jesus Cristo, colocada firmemente sobre o grau de honra e de altura que lhe corresponde, florescia em todas partes secundada pelo agrado e adesão dos príncipes e pela tutelar e legítima deferência dos magistrados; o sacerdócio e o império, concordes entre si, departiam com toda felicidade, em admirável consórcio de vontades e interesses. Organizada deste modo a sociedade civil, produziu bens superiores a toda esperança".

Sobre a Reforma Protestante:

Julio Meinviele: "Mas as danosas e deploráveis novidades promovidas no século XVI, havendo primeiramente transtornado as coisas da religião cristã, por natural conseqüência vieram a transtornar a filosofia e, por esta, toda a ordem da sociedade civil".

Julio Meinviele: "as nações, livres de toda forma superior, tomam posições, umas frente as outras. Aparecem, desta sorte, pela primeira vez, os nacionalismos exagerados. E os monarcas postos a frente dos povos rechaçam todo poder superior e se erigem em divindades. A razão se torna independente da teologia, a ciência da fé, a política da moral, o natural do sobrenatural.
Destituído então, dos auxílios sobrenaturais, a ordem natural caminha até sua própria ruína. E assim vemos, nos séculos XVII e XVIII, o caminhar apressurado até a ruína da civilização. A razão termina em suicídio com Kant, e é suplantada pela ciência, que é uma soma das comprovações físico-matemáticas; o bem comum, que centrava a política e a economia, é substituído pela liberdade; os monarcas são levados ao cadafalso pela multidão soberana. A civilização – assim sem nenhum aditamento -, acaba com a Revolução Francesa. Com ela começa a civilização moderna, a qual, no quem tem de próprio e peculiar, é a barbárie, armada do poder da força industrial.
A revolução francesa marca então a fronteira definitiva de dois modos de vida essencialmente diversos que cumprem na civilização cristã. Com ela se opera no homem uma alteração de sua mesma condição de racional, coisa que não havia a trabalhar-se formalmente no século XVI. Até ela, os princípios diretores da vida haviam sido humanos, agora começam a ser infra humanos ou animais; até então, racionais, agora puramente sentimentais; até então, qualitativos, agora quantitativos; até então atraídos pela idéia de que o bem une, agora pela liberdade, que desvincula e desune. Daqui o liberalismo, o individualismo, o anarquismo e romaticismo deste terceiro momento histórico.
A Revolução Francesa é então, o ponto de partida de um caminho que há de terminar inexoravelmente na revolução comunista, como está, por sua vez, é a etapa imediatamente anterior a apostasia universal ou reinado do anticristo, reinado que não consiste nem se instaura em uma revolução, senão que é a lógica culminação das revoluções anteriores.
O Estado infra humano de civilização, inaugurado pela Revolução Francesa, se vai caracterizar em substância por um cruzar o homem a linha da inteligência que lhe distingue e separa da matéria e em um entrar já resolutamente na órbita de atração da matéria mesma. Por isto a nova idade vai estar regida pelo materialismo ou pelo econômico. Mas como em um ciclo econômico ou materialista há dois momentos perfeitamente caracterizados, um de matéria viva, outro da matéria inorgânica, um da economia dirigente, ou burguesa capitalista, e outro da economia dirigida ou proletária, nesta nova civilização, a moderna, que é uma civilização infra civilizada, podemos distinguir dois períodos: um que é o liberalismo propriamente dito, e outro o comunismo; uma de dominação dos grupos burgueses oligarquicos, e o outro de dominação das massas proletárias, ou verdadeiramente democrático.
Destes dois momentos, o burguês está esgotado já e definitivamente concluído. Chega então a vez o quarto momento, o democrático ou comunista. O clero predominou na Idade Média; a nobreza ou aristocracia nos séculos XVII e XVIII; os ricos ou burgueses no século XIX, e hoje há de dominar a multidão proletária ou democrática".

A procura da pátria perdida


Este foi um dos temas apresentados no Sétimo Congresso do Office International des Oeuvres de Formation Civique et d´Action Culturalle" em Lausanne, nos princípios de abril (1970), e entendemos de crucial importância sua compreensão nesta hora de apogeu da revolução cultural em que tudo parece estar de cabeça para baixo.
A propósito, e comentando o significado do tema em apreço, escreveu Henri Boissonet para Permanences de Paris:

"A pátria perdida, ou velada, ou colonizada, ou desfigurada por forças ocultas ou muito visíveis e por ignóbeis propagandas... Sartre e Gide nos colégios em vez de Maurras ou Marie Noel; Brigitte Bardot como heroína nacional; "Mirages" para os Libianos e os Israelenses, mas nenhuma para os Biafrenses e quase nada para nossa própria defesa; uma Quarta parte de apátridas (chegarão a uma Quarta parte?) utilizando as qualidades dos franceses, prevalecendo-se do prestígio dos franceses para difundir urbi et orbi suas sujar mercadorias... Enfim, a falsa França em lugar da verdadeira".
E citando Veuillot: "Eu, cristão católico da França, velho na França como os carvalhos e enraizado como eles, filho da raça que nunca cessou de dar trabalhadores, soldados, padres sem nada pedir além do trabalho, a Eucaristia e o descanso a sobre da Cruz... Eis, minha intolerável afronta: eu sou constituído, desconstituído, reconstruído, governado, regido, talhado por vagabundos de espírito e de costumes, que não são nem cristãos, nem católicos e, por isso mesmo, nem franceses: gente vinda do país das heresias, das judiarias errantes, de lugares ainda piores: uns não receberam o batismo, outros o aparam de sua fronte. E eles me governam, são meus mestres, tem os pés e as mãos sobre a minha vida..."
Que diria Veuillot, que assim escreveu no século XIX, se voltasse hoje ao mundo e contemplasse o estado a que se acham reduzidas as nações católicas como sua França, arrancadas à sua vocação, às suas tradições, à sua história, à sua fé pelas forças argentárias e pelos poderes da revolução que governam o mundo e destróem as pátrias.

Que é Revolução?


Maurras: "A revolução verdadeira não é a revolução na rua, é a maneira revolucionária de pensar"
A Revolução nas inteligências vem de longe. Daí é que ela passa as barricadas. Sua eclosão, precedendo as jornadas revolucionárias nas ruas de Paris em 1789, foi magnificamente estuda por Augustin Cochin, que fez compreender o verdadeiro sentido da Revolução "antifrancesa", dando a conhecer a ação das "sociedades de pensamento". E a "maneira revolucionária de pensar". Naquela mesma época foi igualmente, e com alta categoria, delineada por Bernard Fay em La Revolution intellectualle au XVIIIe Siècle en France, este mesmo Bernard Fay que mais recentemente nos deu seu livro chave, La Naissance d´um Monstre, mostrando como, através da história, se tem forjado a "opinião pública".
Vem de longe a Revolução nas idéias.
Mas o que a Revolução? Responde Monsenhor Gaume (La Révolution):
"Eu não sou o que se pensa. Muitos falam de mim e muito poucos me conhecem. Eu não sou nem o carbonarismo, nem a arruaça, nem a mudança de monarquia em república, nem a substituição de uma dinastia por outra, nem a perturbação momentânea da ordem pública, nem os furores da Montanha, nem o combate das barricadas, nem a pilhagem, nem o incêndio, nem a lei agrária, nem a guilhotina, nem os afogamentos. Eu não sou nem Marat, nem Robespierre, nem Kossuth. Estes homens são meus filhos, não são eu mesma. Estas coisas são minhas obras, não são eu mesma. Estes homens e estas coisas são fatos passageiros e eu sou um estado permanente..."
"Eu sou o ódio de toda ordem que o homem estabeleceu e na qual ele não é rei e Deus ao mesmo tempo".
A Revolução é a substituição da religião do Deus feito homem pela religião do homem feito Deus.

Mísera Sorte! Estranha Condição

Gustavo Corção

O gemido está no quarto canto de Os Lusíadas e quem o pronuncia é um ancião de "aspecto venerando" que não vê com bons olhos o esplendor da nova civilização que os varões da ocidental praia lusitana querem inaugurar.
"Ó glória de mandar, ó vã cobiça
Desta vaidade a quem chamamos Fama!"
Todas as almas afinadas, um Pascal, um Péguy, a seu turno, e cada um com seu modo, dirão que o homem é um incôngrua criatura, "un monstre de contradictions, un puits d’inquietude". O próprio Camões, mais de uma vez volta à obsessiva idéia do "desconcerto do mundo" trazido pela mesma conturbada condição humana. Nós sabemos pela Fé que tais desconcertos e contradições são conseqüências do pecado de nossos primeiros pais, e Chesterton dizia que, de todos os dogmas e mistérios da fé, o mais claro, o mais evidente é sem dúvida o do pecado original. Basta efetivamente olhar em torno de si com alguma atenção para descobrir que o animal racional é o menos razoável dos seres, e para começar a crer que algum grave mal-entendido está na origem do homem, e perdura em sua condição ao longo dos séculos.
O Concílio de Trento nos diz majestosamente: "Adão perdeu para si e para seus descendentes a inocência e a santidade de seu primeiro estado ficando assim sujeito à morte e ao cativeiro do Diabo".
No mesmo contexto o Concílio de Trento nos ensina que, além da perda da justiça original que lhe assegura a Vida Eterna, os descendentes de Adão ficaram privados dos dons preternaturais, e da natural integridade, ficando assim decaída a natureza humana: a inteligência torna-se obnubilada para as coisas mais altas, e o livre-arbítrio se torna fraco, vacilante e com certa inclinação para o mal. Além disso, nas profundezas da alma decaída, o pecado original deixará o veneno do amor-próprio, que o Catecismo de Trento, mantendo a fórmula paulina, chama de "carne", e que está na origem de todos os pecados, a começar especialmente pelo orgulho e pela cupidez.
Não podendo o Homem, por sua própria força, salvar-se para a Vida Eterna, dada a infinita eminência da pessoa ofendida pelo pecado, Deus nos enviou seu próprio Filho, que nasceu de Maria Virgem, padeceu sob Pôncio Pilatos, foi morto na cruz para nossa salvação, e deixou-nos em sua Igreja as fontes de graça que nos vêm de seu Sangue. Assim é que desde a pia batismal a água nos cura e nos lava a culpa do pecado original mas não restaura a natureza decaída nem nos liberta do amor-próprio. Nos dias da vida, se quisermos firmemente chegar com Jesus à Casa do Pai, teremos de lutar incessantemente contra três cruéis inimigos: o demônio, o mundo e o amor-próprio; e só os venceremos se nos arrimarmos na graça de Cristo.
Já aqui, em termos de catecismo elementar, percebemos os aspectos paradoxais de nossa condição: somos criaturas resgatadas, mais ainda somos criaturas decaídas e cercadas de inimigos, a começar pelo amor-próprio.
A graça divina, que mana da Cruz, é remédio específico de nossa salvação sobrenatural. O homem por suas próprias forças naturais poderá fazer muitas coisas proporcionados à sua natureza; mas é preciso não esquecer que essa natureza está decaída de sua perfeição própria, e por isso o homem precisa do arrimo da graça, principalmente quando a obra a que se dedica tem dimensões morais elevadas, como por exemplo a política e a civilização.
Santo Tomás na Iª., IIæ., q.109, a.2 restringe severamente e quase ironicamente o âmbito das coisas que por si mesmo os homens sem o socorro da graça podem fazer: construir casa, plantar vinhas e coisas desse gênero. Creio que poderemos conceder muito mais, e o prodigioso progresso técnico e científico autoriza certo otimismo. O entusiasmo eufórico despertado por aquele progresso científico e técnico se abala e até desaparece quando consideramos o outro lado das maravilhosas conquistas do homem. Há efetivamente o lado do inventar e do fazer, e o outro lado, aparentemente mais fácil mas realmente mais difícil, o lado do usar, quando abordamos o problema do ponto de vista político ou civilizacional. É no lado do uso dessas maravilhas que surge o problema moral, às vezes tragicamente difícil.
Ainda devemos fazer outra subdivisão e outras distinções, antes de chegarmos ao problema da condição humana no mundo contemporâneo.
Para começar, tomemos o caso de um homem católico, mas acidentalmente privado da graça santificante por haver caído em pecado grave.
Ainda assim, o trabalho desse pecador não está inteiramente privado de qualquer auxílio da graça. Se a graça não o ajuda diretamente nas operações de seu ofício natural, esse homem, na medida em que ainda vive conscientemente na comunhão dos santos é membro da Igreja, será sempre indiretamente, mas fortemente, ajudado pelo envoltório sobrenatural em que vive.
Muito mais lamentável seria a condição de nosso personagem católico pecador se os ventos da vida o levassem a um deserto espiritual em que ele não visse os sinais da santa visibilidade da Igreja, nem convivesse com nenhuma família católica. Pior ainda seria a sua situação se na sociedade em que vive, herdeira de uma civilização cristã, multiplicam-se os pecados, e o indiferentismo religioso é visto como largueza de idéias e o deserto espiritual é chamado de progresso moral.
O mundo ocidental que nasceu cristão manteve uma civilização cristã durante um milênio. Hoje essa prodigiosa realização é objeto de escárnio para aqueles que trazem na alma o obscurantismo que atribuem ao mundo medieval.
Não pretendo fazer a apologia da Idade Média com critérios políticos, sociológicos e científicos. Poderia dizer e provar que os famosos progressos científicos e técnicos têm suas raízes históricas na Idade Média e no Cristianismo. Basta lembrar a coincidência das duas geografias: a Europa inteira, que durante um milênio se mantém cristã, coincide com a Europa que a partir do século XIV é indubitavelmente a pátria do grande progresso técnico e científico. Não insisto nesta nem em outras apologias da Idade Média, mas para a inteligência destas linhas devo insistir num ponto. Naquele tempo, não somente a Igreja mostrava ao mundo seus sinais que são fontes de graça, como também na própria vida temporal os homens iam e vinham, pecavam ou se santificavam, mas todos respiravam o mesmo ar que vinha de um firmamento espiritual católico como também, no rez do chão, na sua atividade temporal, sentiam-se cercados de gente que vivia e morria com os mesmos critérios e valores. Sob o ponto de vista da realização prática e da viva consciência da necessidade da graça, direta ou indiretamente, para a salvação da alma ou para estímulo e purificação da vida temporal, a Idade Média não é uma realização histórica nem um weltschauung que se pretende retomar. Em termos de teologia da história eu prefiro dizer, simplesmente, que foi um milagre. E hoje, de todos os pontos do mundo os homens vêm admirar as obras forjadas no ferro ou lavradas na terra por essa raça, por uma raça extinta de gigantes que reconheciam a realeza de Cristo, e que interrompiam o trabalho para rezar, quando o sino da igreja mais próxima anunciava a hora do Angelus.

O Globo

Para que tudo melhore


Gustave Thibon

Ser otimista ou pessimista ante a realidade da vida é uma alternativa sem sentido, porque não existem nem o bem nem o mal absolutos. Sempre há margem para melhorar a condição do homem.

Faz pouco tempo, em Nova York, depois de uma conferência sobre o tema do mal no mundo, um dos assistentes me perguntou boquiaberto: "Em definitivo, você é otimista ou pessimista?". Lhe respondi que esta pergunta não tinha sentido e que não se tratava de ser otimista ou pessimista a priori, senão de ver o bem e o mal onde estão e tal como são, e sobretudo, trabalhar para vencer o mal com a força do bem.
Há um otimismo e um pessimismo tão vulgares e irrefletidos, porque julgam o mundo desde nossa situação pessoal de momento. Si alguém está alegre, vê tudo cor de rosa ao seu redor; e quando surge a menor contrariedade, tudo lhe parece escuro. Bernanos dizia que o otimista é um imbecil alegre e o pessimista um imbecil triste.

Um único erro

Estes dois erros opostos procedem de uma ausência de lucidez e do pecado de tudo ser colocado em relação a um. Por isso ocorrem tão facilmente em um mesmo indivíduo.
Conheço um homem que gozou durante muito tempo de uma magnífica saúde ao passo que seus negócios andavam de vento em polpa. "A vida é bela", proclamava continuamente. Todos os enfermos lhe pareciam murmuradores e todos os desafortunados nada mais que incapazes. Mas um dia conheceu ele mesmo a enfermidade e as dificuldades materiais. Caiu então em um pessimismo absurdo, repetindo sem cessar que o mundo é mal e que a vida não vale a pena ser vivida.
Esta mudança de óptica se explica sem dificuldade. O homem que, agarrado apenas a si mesmo, a sua própria sorte, permanece cego e insensível aos males dos outros, se encontra desamparado no momento em que a dificuldade se abate sobre ele: acaba aprisionado por esse mal que não havia sabido ver nem prever.
Assim, depois de viver cego pela comodidade ao ponto de não ver o mal que o rodeia, o homem continua cego para entender a desgraça até o ponto de não ver os bens que lhe restam. Porque aqui embaixo, no âmbito temporal, não há mal absoluto: seja qual for nossa prova, sempre conservamos algo - a saúde física, recursos materiais, o carinho de nossos amigos mais próximos...- e se perdemos tudo, ainda resta a esperança em Deus e na vida eterna.

Paz interior

Não esqueçamos, com efeito, que nossa paz interior depende menos dos acontecimentos, que da interpretação deles; segundo a postura que tomemos, a pior catástrofe pode ser para nós causa de desespero ou motivo de esperança.
Penso neste momento em dois homens de minha região que, durante a segunda guerra mundial, foram enviados ao mesmo campo de concentração. Um era crente e o outro ateu. O primeiro, desacorçoado pela prova, perdeu a fé; o segundo, fortalecido pelo sacrifício, voltou a religião.
Seguindo esta linha de raciocínio, se desfaz o falso problema de otimismo e pessimismo. É igualmente absurdo dizer que tudo vai bem ou que tudo vai mal: o que nos é pedido é lutar sem descanso para que tudo melhore.

Portugal e Espanha

Antonio Sardinha (O Gênio Peninsular, 1920)


"Se a civilização é essencialmente o Cristianismo, ninguém a dilatou e serviu como os povos naturais da antiga Hispânia. É o traço dominante da sua alma, - o selo que lhes imprime grandeza e individualidade Por esse prisma o gênio peninsular é universal como nenhum outro. A vocação apostólica constitui a sua determinante mais poderosa. E, pelo nosso amor ao Absoluto, é fácil de se abranger a razão por que o Cristianismo na Península se revela e radica, não só como confissão religiosa, mas, sobretudo, como uma íntima e veemente afirmação social. Compreende-se já porque portugueses e castelhanos foram no mundo missionários e descobridores e como apenas eles se glorificam com o raro título de fundadores de nacionalidades! Ninguém ignora a lenda-negra que infama a Península como inútil para as conquistas superiores da humanidade. É uma calúnia do século XVIII, principalmente, - da estreita e sectária mentalidade dos Enciclopedistas, que não podendo separar o Catolicismo da vida da Península, a denegriram por sistema, cobrindo-a de diatribes e de aleives sem conto. No entanto, metade do mundo devia às Espanhas a sua entrada na civilização, - e a paz da Europa, perturbada, dum lado, pela ameaça crescente do Turco e, pelo outro, pelo alastramento da heresia protestante, salvou-se duma catástrofe mortal, por virtude ainda do esforço heróico dos reis e soldados peninsulares".

Fernando Rodrigues Batista

Quem sou eu

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Católico tradicionalista. Amo a Deus, Uno e Trino, que cria as coisas nomeando-as, ao Deus Verdadeiro de Deus verdadeiro, como definiu Nicéia. Amo o paradígma do amor cristão, expressado na união dos esposos, na fidelidade dos amigos, no cuidado dos filhos, na lealdade aos irmãos de ideais, no esplendor dos arquétipos, e na promessa dos discípulos. Amo a Pátria, bem que não se elege, senão que se herda e se impõe.

"O PODER QUE NÃO É CRISTÃO, É O MAL, É O DEMONIO, É A TEOCRACIA AO CONTRÁRIO" Louis Veuillot