R.P. Félix Sarda y Salvany
INTEGRISTAS! Sim, senhores, e com muita honra! E tanto é assim que, desejando hoje dirigir-vos a palavra nesta nossa querida Academia, depois de tanto tempo sem nela falar-vos, certamente não por falta de vontade, pareceu-me bem escolher para tema de minha familiar Conferência o mote ou apelido com que querem, segundo se vê já faz algum tempo, infamar-nos os nossos inimigos. Com ele quisera eu que vos mostrásseis santamente altivos e cristamente orgulhosos, como vos asseguro que estou eu, pela graça de Deus; assim estou de minha fé, de meu batismo, de minha educação católica e de meu católico sacerdócio e de tudo que constitui, graças aos céus, meu modo de ser na ordem sobrenatural e cristã. Sim, meus amigos; integrista sou e integristas desejo que sejais todos os desta Sociedade, e integrista considero todo homem de quem tenho conceito favorável em seus costumes e crenças, e integrista quisera que fosse todo o mundo - única maneira pela qual seria todo filho reconhecido e súdito submisso de Deus Nosso Senhor. Apropriemo-nos, pois, e em muito alta voz declaremos esta nossa qualificação, que quer ser depreciativa e que não é senão gloriosíssima. Repitamo-la, sim, e alcemo-la ao alto, bem ao alto, como imortal bandeira que simboliza todas as nossas aspirações, recorda todos os nossos deveres, eleva e dignifica maravilhosamente nossa condição na vida social moderna, e nos separa com distintivo característico de tudo que pertence, em maior ou menor grau, ao reinante Liberalismo. Falemos, pois, de integrismo, e com rosto varonil e peito firme aceitemo-lo com todas as suas conseqüências.
É mania constante dos inimigos do catolicismo buscar sempre disfarces e alcunhas com que atacar seus filhos, a fim de que pareça que não os ataca por serem católicos, senão por causa de algo muito separado e alheio a este seu caráter essencial. Quase todas as heresias inventaram um mote com que apostrofar os católicos, dando a entender que os combatiam não pelo ser católico, mas por outro conceito que, com aquele mote ou apelido, pretendiam expressar. No entanto, ocorreu a casualidade de o mote escolhido ser sempre uma como revelação inconsciente e involuntária de algo glorioso para os motejados. Geralmente, basta a história consigná-lo para que se decida com toda retidão o processo entre motejados e motejadores. Assim, dando-se uma vista d’olhos somente sobre os últimos séculos, creram os anglicanos afligir Flandres, apelidando de papistas os que recusaram o escandaloso cisma de Henrique VIII. E vede, senhores, se era caso de se envergonharem desta injuria aqueles esforçados ingleses que tão generosamente sabiam dar a vida por guardar inviolável fidelidade à Santa Sé. Posteriormente, jansenistas, galicanos e regalistas, que se podem incluir no denominador comum de vanguardas mais ou menos liberais do atual Liberalismo, inventaram na França o apelido de ultramontanos, para designar os fiéis d’além Pirineus e Apeninos, i. é, os espanhóis e italianos, mais adversos que qualquer outra nação às tendências inovadoras da astuta seita. E mesmo hoje não se perseguem os católicos da França por serem católicos - já se guardou bem o diabo, que é mau, mas não tonto, de cair em tal erro! – não se perseguem por serem católicos, mas clericais, como na notória frase ou grito de guerra: “O clericalismo é o inimigo”. É o que acontece, na hora presente, na Espanha – louvado seja Deus. Atacar por católica a hoste que mais deseja distinguir-se no zelo e no ardor da defesa do catolicismo, impugnar por católicas seus projetos e publicações, que apenas no ardente catolicismo desejam inspirar-se; por católicos combater sanhosa e rancorosamente homens que com outro mote não querem distinguir-se, nem outra divisa admitem em sua bandeira, senão a do puro e limpo Catolicismo, oh!, seria candidez infantil ou desusada franqueza, faltas em que nunca cairão nossos hábeis impugnadores. Não senhor, nada disso: não impugnam ou denigrem nosso catolicismo; se fosse por isso, ao menos nos respeitariam por consideração, como dizem eles, aos chamados invioláveis foros da consciência humana. Ferozmente nos denigrem e sem trégua combatem nosso integrismo. Convieram todos – não poucos anti-católicos – que o catolicismo é algo muito sério e respeitável, ou ao menos muito tolerável. Porém, no que convêm igualmente a todos, anti-católicos e católicos “moderados”, são os integristas maus e perversos. Dir-se-ia que agora é a hora de levantar na Espanha, como bandeira de defesa social, lema análogo ao que levantou em seus dias a França de Gambetta: “O Integrismo, sim, o Integrismo é o inimigo”.
Está bem, senhores; podemos considerar-nos muito honrados de que, desta feita, se nos marquem com desprezo e execração em face do público. Entretanto, isto mesmo nos dá o direito a que, recolhendo o glorioso insulto e analisando-o a sangue frio, concluamos, não convencendo a nós mesmos, pois que pela misericórdia de Deus já estamos convencidos, senão para convencer a nossos contrários que, realmente, para nós é este o primeiro brasão e título de glória.
Vejamos. Parecerá a um de nossos desditados adversários uma blasfêmia que lhes digamos que o primeiro integrista é Deus Nosso Senhor. Contudo, assim o chamamos, e isso nos ensina a filosofia e a teologia cristãs. Em Deus se encontra a inteira plenitude do ser e a suma perfeição. A integridade essencial de seus soberanos atributos não é prejudicada por deficiência alguma, nem a restringe classe alguma de limitação. Como dizemos que é Deus o ser puro e absoluto, sem nenhuma mescla de não-ser, assim podemos afirmar que é a Divina Essência o integrismo puro na mais alta, filosófica e transcendental significação. Em Deus, não há mais que infinito e eterno amor ao bem e, por outro lado, infinito e eterno ódio ao mal; ódio e amor que se identificam em só um atributo seu, a soberana e eterna justiça. E de tal sorte ama Deus o bem e odeia o mal, que não pode de maneira alguma deixar de ter este ódio e aquele amor, ou tê-los pouco firmes ou atenuados. Não, senão que sua própria Essência Divina ou força, por assim dizer, está infinitamente amando o amável e odiando o odiável, a tal ponto que deixaria de ser Deus se deixassem de existir Nele esse integrismo de amor ao bem e de ódio ao mal. Neste sentido, soa a palavra integrismo como expressão do absolutamente perfeito. Bem podemos assegurar que, quando com divino chamamento nos convida o divino Redentor a imitar, no compatível com nossa fraca natureza, a própria perfeição do Pai celestial, naquele Estote perfectus sicut et Pater vester coelestis perfectus est, convida-nos nada mais para a bondade e perfeição integristas. Se precisasse eu apoiar esta interpretação com o comentário autorizado de algum distinto Doutor da Igreja, tomaria como de suma autoridade o do insigne irmão de nosso glorioso Apóstolo da Espanha, que nos encarrega em sua Canônica ut sitis perfecti et integri um nullo deficientes, que sejamos “íntegros e perfeitos sem faltar em coisa alguma”. E poderíamos trazer à colação aquele outro texto de São Paulo a Tito, em que lhe diz: “que mostre a todos como exemplo de boas obras em doutrina, integridade e em sobriedade”. Te ipsum præbe exemplim bonorum perum in doctrina, in integritate, in gravitate. As idéias de integridade e de santidade são, não análogas, mas perfeitamente idênticas. O Dicionário da Academia define a santidade: integridade de vida. Sim, como dissemos, o integrista por essência é Nosso Senhor; são depois Dele os Santos os grandes integristas do gênero humano, e à frente deles a Rainha gloriosíssima de todos, Maria Mãe de Deus. É esta imaculada integridade a que mais de perto e com mais vivos resplendores reflete a da Trindade Beatíssima e a da Humanidade de seu Santíssimo Filho, integridade admirável, integridade incomparável, integridade sobre a qual de algum modo poderíamos dizer com o poeta:
Muestra de lo que el hombre ser podía,
Muestra de lo que fue sin el pecado.
Acaso a nossa primitiva natureza, ainda não manchada pela culpa original, não a chamam os teólogos natureza íntegra? Vejam, pois, os adversários do integrismo a que idéias ou conceitos se poderia crer que se opõem, quando aparentam fazer tanto asco - e talvez até horror – a esta palavra, com a qual os infelizes acreditam que nos rebaixam.
Mas assentemos, senhores, este assunto no mero terreno do bom senso natural, que é onde mais facilmente se confunde certa classe de inimigos. Esse abominável integrismo que sempre nos é lançado em rosto como crime ou idéia sectária, contra a qual são muito merecidos todos os anátemas, aplicado a ordem de idéias distinta das que constituem o direito público cristão (eis tão-somente o que aterroriza nossos inimigos), parece-lhes coisa bastante digna e honrosa, e até indispensável. Vejamos disso exemplos que temos vivos e palpitantes.
És comerciante, meu amigo, e crês que deve proceder em todos os negócios com a mais primorosa retidão e boa-fé. Não te permites nisso transação alguma com a consciência, nem a toleras com teus gerentes e subordinados. Levas a rigidez até o escrúpulo, e em teus livros, como em tua correspondência e trato verbal, indigna-te ante a idéia de que possas encontrar mancha que obscureça tua limpa fama de distinto cavalheiro. Dize-me agora, sabes o que és com essas estreitas idéias de escrupulosa consciência mercantil? Pois sabe-o, ainda que te assombre. És um integrista. O que professas e praticas é simplesmente o integrismo comercial. Administras cargos públicos, és por exemplo prefeito de tua cidade ou vila; desempenhas o elevado ministério de desembargador ou, simplesmente, o mais modesto de juiz de paz. E tão alta idéia tens destes ofícios (realmente muito altos na república cristã), que te esmeras e andas solícito dia e noite pelo mais exato cumprimento deles, e “no torcéis derecho ni lleváis cohecho” [não torces a lei nem recebes suborno], como diz a antiga frase castelhana, mas vês como sagrados os interesses de teus administrados – cada um deles e seus bens – e honra um depósito de que se te pedirá conta gravíssima diante de Deus. Portanto, nem te ocorre que possa ser lícita a defraudação deste por tua culpa, nem que deixe de ser-te imputável mesmo a menor negligência ou tibieza em atender a sua defesa. Assim realizas em ti o exemplo belíssimo do bom funcionário público, pai de teus subordinados, e viva imagem sobre a terra da justiça e da Providência de Deus. Chamar-te-ão, pois, de boca cheia, um bom prefeito, um probo magistrado, um reto juiz. Sabes, porém, o que serás na realidade? Serás não mais que um habilidoso integrista. Professas e praticas muito nobremente o integrismo administrativo e judicial.
Há poucas carreiras tão nobres e distintas como a militar. O cidadão que por defender sua pátria ou suas leis se faz, por profissão da disciplina, escravo dos mais austeros deveres, jura perder, antes que faltar a eles, não apenas a própria liberdade, que a ela já renunciou desde o princípio para fazer-se servo da autoridade, mas o sossego de toda sua existência, os afagos e afetos mais santos da família, a própria saúde, e até a vida. Dessa maneira vê-se impávido encarar os maiores perigos, endurecer nas mais rudes fadigas, impor-se, como ordinária e usual, a prática dos maiores sacrifícios. Vive por sua bandeira e por ela morre. Este homem, a quem todo o mundo chamará um bom soldado, outros saudá-lo-ão como um herói da história; ao fim, o que terá sido ele? Ah! Simplesmente um integrista, um fanático sectário do que poderíamos chamar o integrismo da consciência e da honra militar.
Sagradas são as leis da sociedade conjugal e doméstica. Deus e a Igreja exigem nela moral muito estreita, muita mais estreita da que costuma autorizar o mundo, que por desgraça é nisso, como em tudo, um bem suspeito moralista. Está vós conformes a tais idéias, guarda e exige que se guardem a honra e o decoro de teu lar com o inviolável respeito de um santuário. Não só zela pelo que poderíamos chamar a ordem material de tua casa e família, mas também pelo próprio prestígio moral te impõe e aos teus toda classe de recatos e privações. O bom nome de tua esposa, a limpa auréola de inocência de tuas filhas, a irrepreensível reputação de teus filhos, te são como prendas que por nada deste mundo permitirás ver comprometidas. A todos te exporás, a todos te resignarás, a fim de evitar que se manche a honra de teu sobrenome; evitar não só uma grosseira acusação, mas até a murmuração ou a mais velada reticência. Agora bem, sabes o que és com isso? Pois não passas de ser perfeito integrista, zelador intransigente do integrismo de teu lar.
Saiamos, senhores, da esfera das idéias gerais em que até agora temos posto a questão, e detenhamo-nos em termos concretos, de acordo com o ponto de vista especialíssimo em que a põem nossos impugnadores. Não são adversários, nem podem sê-lo, do integrismo essencial e absoluto, que é o ser de Deus. Nem são do integrismo participado e relativo, que constituem as virtudes e a perfeição de seus Santos. Nem tem asco do integrismo comercial, nem desprezam o integrismo da magistratura, nem chamam de absurdo o integrismo da disciplina militar, nem mesmo difamam e escarnecem o simples e usual integrismo dos honrados esposos e pais de família. Antes bem, se se encontra qualquer deles em alguma dessas últimas categorias, com grande louvor tem de ser qualificado como perfeito e nobre integrista. Nossos adversários acham tudo isso muito bom e ajustado à razão e conforme à lógica. Todos esses integrismos lhes parecem feitos de pérolas. Oh assombro! Somente reservam as iras e santa indignação e horrendos anátemas contra outro integrismo, que é precisamente o fundamental e sem o qual vivem desprotegidos, ou melhor, caem miseravelmente derrubados por falta de base todos os demais integrismos do qual tratamos até agora. Sim, senhores, o integrismo que eles aborrecem e continuamente insultam é o integrismo dos direitos sociais de Cristo-Deus, o integrismo de sua soberania divina sobre os Estados como sobre os indivíduos. Pregar esse integrismo, defendê-lo em toda crise e propagá-lo por todos os meios é o nosso pecado, disso se faz denúncia contra nós o tempo todo, e andam pedindo rigorosa sentença. Dir-se-ia que Cristo-Deus e seu Evangelho têm menos direito ao respeito na integridade de seus foros divinos que as leis do mercado ou da Bolsa, ou as do Código ou da Ordenança, ou simplesmente as da mais caseira e familiar honradez natural!
Essa exceção que fazem, contra os direitos integristas da verdade religioso-social, aqueles que, por outra parte, tão conformes se mostram em respeitar os direitos dos demais integrismos acima mencionados, acaba sendo mais injustificada e com certeza mais absurda, se se considera a idéia que há pouco só apontamos e que agora nos permitiremos desenvolver com maior amplitude. Dissemos que o integrismo dos direitos sociais de Deus e sua santa Igreja é o que poderíamos chamar integrismo fundamental. Este é base, alma e vida de todos os outros integrismos subordinados, e que sem ele não têm razão de ser. É, portanto, ridículo e ilógico sustentar qualquer integridade pública ou privada nas relações dos cidadãos entre si, se antes não se deixa bem assentada como princípio absoluto a integridade dos direitos da lei de Deus e de sua Igreja, apelidada hoje em dia pela escola liberal e transacionista com o nome de Integrismo. Sim, diga-se o que se queira e discorra-se por onde mais agrada, o eterno, o incontestável, o fundamental na sã filosofia, será sempre a verdade de que todos os direitos humanos, por respeitáveis que sejam, derivam do reconhecimento de um supremo direito divino. Se não há Deus, ou se não tenho eu o dever de reconhecer e acatar em toda a extensão a autoridade de Deus, tampouco há homem algum que possa exercer sobre mim alguma classe de autoridade ou em quem deva eu reconhecê-la. E se esta autoridade de Deus pode ser barganhada pela criatura humana, ou mutilada em obséquio a interesses humanos e passageiras conveniências, ou desatendida no que não se acomode ao critério ou inclinação particular de cada qual, não vejo certamente razão alguma para que meu livre-arbítrio não aplique igual barganha às demais autoridades de ordem inferior. Não, não vejo razão alguma pela qual tenham de ser mais intransigentes e intolerantes comigo os direitos do integrismo comercial, chamado Código Comercial, ou do integrismo judicial, chamado lei processual, ou do integrismo militar, chamado lei Militar, ou do integrismo doméstico, chamado fidelidade conjugal. Assim, pois, os anti-integristas na ordem dos direitos sociais de Deus não podem em boa lógica serem integristas no terreno dos direitos sociais do homem. Ou se renuncia os integrismos humanos e subordinados, ou se deve reconhecer como bom aqueloutro integrismo fundamental e divino. Para sair-se deste dilema não há escapatória, senão a inconseqüência. Não creio que aceitem nossos adversários como boa esta retirada, porque a inconseqüência, aceita e reconhecida como tal, não é mais que a perda do último resto de pudor na controvérsia.
Hoje, mais do que nunca, são de grande interesse estas considerações, porque hoje, mais do que nunca, tende a Revolução ao radicalismo, e portanto ao radicalismo deve tender também a reação anti-revolucionária. O egoísmo, a covardia, o amor às conveniências pessoais procuram, quanto é possível, favorecer e prolongar o reinado dos termos médios, que é o que, como em todo período de transição, prevaleceu durante os últimos cem anos. Este tipo de interinidade acabará, senhores, e bendigamos a Deus e peçamos-lhe que acabe o quanto antes. Chegamos já ao princípio do fim, e logo será preciso aceitar do Liberalismo até as mais duras conseqüências. A última palavra do Liberalismo europeu é muitíssimo chocante e de crueza sem par. Chama-se Nihilismo. Olhai bem. Não se trata mais de cercear os direitos de Deus em favor da falsa emancipação do homem; nem se trata somente de que fiquem mais ou menos compensados estes direitos absolutos da soberania divina pela soberania dos erroneamente chamados direitos do homem. Nada disso; aborda-se o problema de frente, e se diz: Nada de Deus como esperança para a outra vida e freio da presente. Nada! Esta palavra é breve, mas compendiosa, e vale por cem textos. É a tábua rasa do Liberalismo, e é a negação, epílogo e conseqüência definitiva, espantosa sim, porém lógica e racional, das suas precedentes negações. Isto é, senhores, o Nihilismo. Agora bem, a esta negação absoluta, o que se pode opor melhor que uma afirmação absoluta? Ao nada audaz da Revolução, que outra resposta decisiva pode dar-se que não seja o todo da restauração cristã. Por que não se permite dizer assim: em tudo, os direitos de Deus. Em tudo, todos os direitos de Deus. Em tudo, todos os direitos de Deus, com todas as suas aplicações e todas as suas conseqüências? Mais claramente. Se a Revolução hoje se proclama e é já o Nihilismo, qual deve ser a verdadeira contra-revolução, senão o Integrismo?
Admiro-me, em verdade, de que todo o mundo não veja desta maneira, e de que sejam tantos os insignes talentos e corações que devemos supor bem intencionados, mas cegados e seduzidos, como por desgraça vemos tão constantemente, pelos falsos atrativos do já velho, gastado e desacreditado moderantismo. Forçoso será que, sem embargo, despertem um dia de seu sono tais bem-aventurados mortais, cegos de conveniência e surdos de vontade, pois fingem não ver nem ouvir o que tão claro aparece no horizonte social, e o que marca tão fixos e seguros rumos à propaganda católica de nossos dias. Ah! Senhores, abramos de uma vez os olhos ao resplendor da incendiária teia que o inferno prepara para iluminar-nos; prestemos atenção ao não já distante, mas muito iminente rugir do furacão que ameaça envolver-nos, e que ao menos esse bem nos revele enfim a perversidade revolucionária, i. é, deixe-nos de sobreaviso, receosos e advertidos.
Por isso, mais funestos que a Revolução, e mais criminosos que os próprios revolucionários, quando tratam de agir, são os católicos que, ante a gravidade da crise social, jamais vista nos séculos passados, rechaçam como exagerados os movimentos de alarma e os procedimentos de defesa do radicalismo católico, i. é, do integrismo, o qual os infelizes qualificam como tão perturbador quanto o radicalismo da demagogia. Ah! Nossos inimigos desta vez acertaram a palavra, temos de fazer justiça ao seu feliz invento e à exata propriedade de seu dicionário. Sim, é verdade; somos perturbadores, e perturbador, inquieto e demasiadamente irritante é o nosso integrismo. Perturbador da falsa paz que desejam como suprema ventura os filhos do século, dos malfadados ócios da carne e sangue que repelem, como sempre repeliram, as asperezas do combate cristão; de consciências dormidas, de corações letárgicos, de energias amolecidas, como são perturbadores do descuidado transeunte ou do apático enfermo o grito saudável do amigo, que lhe adverte a proximidade do abismo, ou o cautério ou purgante que lhe abrasa a pele para despertar-lhe a sensibilidade e devolver-lhe a vida. Bem faz em chamar-nos desta maneira o católico moderado, porém, talvez não percebe o serviço que presta à fera revolucionária, da qual se converte no melhor aliado e auxiliar. Porque, na realidade, parece aliado do ladrão o que, vendo-o forçar a porta, não se põe a gritar: “Fogo! Fogo!”, para não perturbar com seus clamores a paz da vizinhança.
Ah, senhores, arde a casa nos quatro cantos, e não se quer que gritemos, nem sequer toquemos o aviso de alarme? A tudo invade e assola a feroz irrupção da novas hordas bérberes, e se pretende que é melhor fingir-se de cego, a fim de que com a alarma não se turbe a bem-aventurada paz dos sonâmbulos? Chame-se a isso de prudência, moderação, desejo de evitar um mal maior: na linguagem do bom senso dos povos, outro nome não se deu que não fosse traição ou covardia.
Nem traidores da santa bandeira dos íntegros direitos sociais de Deus, nem covardes em sua defesa, quereis ser vós, amigos meus e fervorosos sócios desta religiosa Academia. Em nossa nação, mais que em qualquer outra parte, lançou profundas raízes o Integrismo; na Espanha, menos que em qualquer outra nação, conhecem-se a deslealdade e a covardia. Atualmente, há apóstolos com este ideal bendito em todas as nações do globo, onde com a mesma ou parecida alcunha são motejados pela Revolução e por outros complacentes com ela. Há-os em França, Suíça, Bélgica, Alemanha, Áustria, Itália e Inglaterra; há em nossas irmãs, as repúblicas do continente americano, à frente das quais fez balançar esta bandeira o Equador, tinta em sangue de García Moreno, que morreu por ela. Mas crede: se em nenhuma destas nações ficasse sequer um soldado para a soberania íntegra de Cristo Nosso Senhor, ficariam muitos ainda nesta sua fiel Espanha, onde, com esplendor maior do que em qualquer nação, reinou nos séculos passados, e onde com a maior das venerações, sem símiles no globo, prometeu voltar a reinar. E se um dia, por nossos pecados, nesta privilegiada terra, a malfadada corrente liberal ou traidora avassalasse completamente o espírito católico integral, não duvideis, a morte do integrismo católico em Espanha seria a de nossa vigorosa nacionalidade, e o último espanhol digno deste nome seria... o último integrista.
(Conferência na Academia Católica de Sabadell, publicada na Revista “Propaganda Católica”, Tomo XI, ano 1910, ed. Librería y Tipografía Católica, Barcelona)
Retirado do site Stat Veritas
Tradução: Permanência
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