ALFREDO PIMENTA [Guimarães, 1882 - Lisboa, 1950] Polígrafo da primeira metade do século XX (o seu primeiro livro data de 1904 e os seus últimos escritos são do ano da sua morte), versou variados gêneros, desde a poesia à política, da filosofia à história, do ensaio à critica literária, filosófica, histórica, deixando vastíssima bibliografia numa escrita primorosa de clareza e rigor.
Licenciado em Direito pela Universidade de Coimbra (1908), continuou ao longo da vida a sua formação intelectual, iniciada já antes do freqüentar a Universidade. A sua vasta biblioteca, doada em 1970 pelos filhos à Fundação Calouste Gulbenkian, constitui a prova material desta intensa atividade intelectual.
Licenciado em Direito pela Universidade de Coimbra (1908), continuou ao longo da vida a sua formação intelectual, iniciada já antes do freqüentar a Universidade. A sua vasta biblioteca, doada em 1970 pelos filhos à Fundação Calouste Gulbenkian, constitui a prova material desta intensa atividade intelectual.
«... A Democracia é o regime próprio do século XIX — o século das mistificações.» «... Para não alongar mais a lista — o século XIX foi o século da Democracia, o século do Voto omnipotente e omnisciente, o século da Urna Sagrada e Virtuosa, o século do Sufrágio Universal Soberano — em boa linguagem portuguesa, o século do «carneiro com batatas».Que era a Democracia? A Democracia era o Governo do povo pelo povo, era a felicidade do povo, era o Pô-ô-vo! Era, na cabeça dos imbecis que lhe proclamavam a excelência. Mas na realidade pura, na realidade inegável, indiscutível, a Democracia foi tão somente o Governo dos Ricos, o domínio do Dinheiro. No antigo regime, valia a Nobreza, valia a Inteligência, valia a Coragem, valia o Serviço, valia o Sacrifício. O Dinheiro só por si não valia.O Dinheiro só por si não forçava os Paços dos Reis, nem as Secretarias do Estado. Foi a Revolução Francesa — amálgama de todos os vícios, de todas as ambições corruptas, de todos os pecados, de todas as misérias: — foi a Revolução Francesa que desvalorizou a Nobreza, a Inteligência, a Coragem, o Serviço e o Sacrifício, para valorizar exclusivamente o Dinheiro. No antigo regime, havia um regulador de valores — o Rei.»«... A Revolução Francesa fez do Dinheiro a escada segura para todas as ambições. Diante do Dinheiro, não há barreiras, não há impossíveis. Vale-se não o que se vale, mas o que se tem. Quem governa hoje o mundo? A Banca. E quem deu à Banca o governo do mundo?A Revolução Francesa. A Democracia é, pois, o governo do Dinheiro. Quem tem dinheiro compra. Há milhares de maneiras de comprar. E como a Democracia é o regime das opiniões, há que comprar as opiniões. Quem mais dinheiro tem, melhor e mais opiniões compra.»«... Os actos essenciais da Democracia chamam-se eleições. As eleições custam muito dinheiro. Há chefe eleitoral que gasta muitos contos de réis para ganhar as suas eleições. O resultado do acto eleitoral é uma função do Dinheiro. É o Dinheiro que põe no mesmo nível o Génio e o Imbecil, o Criminoso e o Virtuoso — pois que no seio farto da Urna, tanto vale o voto do sr. Gomes Teixeira, como o do Menino do Castelo, e tanto significa o voto de S. Francisco de Assis como o do chefe da Legião Vermelha. Ao homem de talento que vive, pobremente, na mansarda pobre, todas as atenções são regateadas, mas o idiota que vive no seu Palácio de luxo, vê abrirem-se-lhe todas as portas, e vê-se cheio de todas as honras. Ao homem de talento a quem as dificuldades da vida sujeitam às mais duras provas — não se lhe celebram as virtudes, mas aqueles que ignoram o que sejam dificuldades da vida, a esses seguem-nos hinos e apoteoses. Dizia-me uma vez uma das mais altas inteligências portuguesas que opiniões era um luxo que só os ricos se podiam permitir.A Democracia desaparecerá — porque a Inteligência, o Espírito, a Honra, a Coragem, o Serviço, o Sacrifício, e o que resta da Nobreza estão em revolta — indignando-se o predomínio ultrajante do Dinheiro. A Democracia faliu, porque se averiguou que o governo do Dinheiro faliu. Ele não deu a felicidade aos Povos: arrastou-nos para um baixo e hediondo materialismo. Há que regressar a um regime de hierarquias de valores organizados — sob a acção de um regulador desinteressado: o Rei. Há que fechar o ciclo da Revolução Francesa, o ciclo da Democracia. O Dinheiro é um elemento de troca: não pode ser de modo nenhum um critério de governo.»«... Há muita gente que vive apoquentada com a influência da alta Finança, e que atribui todos os nossos males à Finança. Há um grande fundo de verdade nisto.Estamos, efectivamente, em regime plutocrata, — agora acentuadíssimo, depois que a República se proclamou. Disse, no meu último artigo, que a Revolução Francesa, instaurada a Democracia, instaurou o regime do Dinheiro. Hoje, é o Dinheiro que governa — mas não só no Estado: principalmente, talvez, na vida social. E é desta que ele atinge aquele. A Democracia substituiu a moral antiga, cristã, espiritual, pela moral material do Dinheiro. Estes, os factos. E toda a gente que me lê me dá razão.»«... O mal do dinheiro está sob o ponto de vista agora considerado em ele ser agente de corrupção política. E é-o sempre que intervém como Dinheiro, fazendo pesar o seu valor, na direcção dos negócios do Estado.Quando um homem é ministro pelo seu dinheiro, que não pela sua inteligência e pela sua competência; quando um homem é deputado, pelo seu dinheiro, que não pelas suas aptidões e pelo seu alto saber; quando um homem é um alto funcionário público, director de uma gazeta política, chefe de um Partido ou seu elemento preponderante, pelo dinheiro que tem, e não pelas suas qualidades intelectuais; quando um homem é escutado e lisonjeado pelos poderes do Estado, só pelo dinheiro que possui; quando um Estado e uma Sociedade se deixam cegar pelo poder do dinheiro, fazendo dele a sua aspiração fundamental e subordinando-lhe todos os valores intelectuais e espirituais — então, sim, então estamos em Plutocracia, a qual só é possível verdadeiramente na Democracia.Vejamos. Em Democracia, quem faz o Presidente da República, e os Ministros? É o Parlamento. E quem faz o Parlamento?São os influentes eleitorais. Ora há duas espécies de influentes eleitorais: os que têm a influência que lhes dá o Poder central, de quem são serventuários, e os que têm influência própria. Os primeiros são muito poucos, e a sua influência é muito instável. Os que caracterizam o fenómeno são os segundos. Ora, por via de regra, os influentes da segunda categoria devem a sua influência ao dinheiro que dispõem. As eleições são operações muito caras. Para as ganhar, é preciso gastar muito dinheiro. Resulta daqui que as ganham os mais ricos, e contra os ricos não há eleição que vingue. Nas épocas eleitorais — é um ror de subscrições que se abrem. Pede-se dinheiro em altos berros, porque sem dinheiro, assim se proclama, não há eleição possível. Logo, quem faz o Parlamento? É o Dinheiro. E quem faz os Ministros e o Presidente da República? É o Dinheiro. «... Em regime de opinião, quem quer opiniões, compra-as. A Democracia é o regime de opinião. É o regime das opinião compradas.É por isso que nós nos batemos por um regime anti-democrático, que será, portanto, anti-plutocrático, que será o contrário dos regimes de opinião. Nós queremos um regime em que o critério da Administração seja o do Interesse nacional, um regime em que o Dinheiro exerça as suas funções legítimas — a pessoal e a social - e não tenha ambiente para exercer função política. Nós queremos um regime em que o Poder fixo do Estado esteja superior às opiniões e seja efectivamente soberano, e reine e governe — ponto de concentração e harmonia de todos os interesses. Nós queremos um regime que não seja, como o democrático, o regime da Nota de Banco. Não há exemplo na História de um Rei jungido ao poder do Dinheiro; como não há na História exemplo de Democracia que não tenha o culto do Dinheiro. Democracia e Plutocracia equivalem-se.»«...O regime de opinião é a anarquia ou a mentira. Numa campanha eleitoral, todos são corruptores ou mentirosos — para todos prometem o mais que podem, fartos de saber que não darão nada. No dia em que o povo se convencer de que anda permanentemente enganado, e de que o único regime político que lhe convém é aquele em que trabalhe e unicamente trabalhe — nesse dia, o povo pondo termo ao ludíbrio de que anda sendo vítima, reencontra o caminho da sua prosperidade.»
Por Alfredo Pimenta: in: Fontes Medievais da História de Portugal. Volume I: Anais e Crónicas, 1948 ; 1982
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