"A mais séria, a mais heróica, a mais resistente das almas da geração que pertenço... uma das mais puras glórias do Brasil contemporâneo". Jackson de Figueiredo sobre Tasso da Silveira
"A poesia de Tasso é uma reação contra o vácuo aberto pelo pensamento. Precisava de um refúgio e buscou, na poesia, o caminho para Deus. A beleza iluminou-lhe o grande Mito cristão. O sentimento religioso, o pensamento católico, consolador por excelência, extinguiu todos os mistérios, todas as incógnitas e todas coisas insondáveis pelo Mistério Maior, pela Incógnita Maior e pela Coisa Insondável". Joaquim Ribeiro
"A missão da poesia de Tasso da Silveira – que se estende uniformemente de Fio d’água aos Cantos do campo de batalha - é essa de salvar o povo brasileiro, fazendo-o salvador dos homens da terra Todos os seus poemas, toda essa poesia escrita sem solenidade, encontra aqui sua única razão de ser. Tentar remissão para a humanidade, e, através da remissão conseguida, reintroduzir na terra a inocência perdida". Adonias Filho
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A DANÇA EM FACE DE DEUS*
1
Senhor, em presença de tua Face,
eu dançarei.
Porque toda alegria e toda beleza
é ritmo e dança.
E a alegria absoluta
e o absoluto esplendor
são uma dança eterna.
Senhor, em tua divina presença,
eu dançarei.
Dançarei como as frondes, como as flores,
às brisas matinais.
Dançarei como as ondas, como as nuvens,
como os ventos oceânicos,
à ebriez dos horizontes sem fim.
Dançarei como os mundos,
as sagradas estrelas,
à hipnose da grande noite.
Senhor, em presença de tua Face
dançarei, dançarei,
dançarei....
dançarei....
2
perpetuamente cantarei!
Porque elas são e serão sempre
o augusto deslumbramento,
o milagre, a alegria.
Porque elas permancerão para sempre intactas,
inatingíveis aos golpes
do nosso ímpeto de negação e destruição.
Porque elas são tua imagem,
teu símbolo na matéria.
do seu manto de encantamento e de beleza
todas as mais esplêndidas realidades
deste mundo,
Quando houver desnudado de sentido
as árvores, os passários, as flores,
as montanhas, o mar, os ventos,
ainda as estrelas guardarão
seu perene fascínio,
seu magnetismo sobrenatural.
descobrir o homem vestígios
dDo absoluto do teu Ser,
- ainda as estrelas lhe dirão,
na sua pulsação infinita
e nos seus insondáveis abismos,
que tu existes, Senhor,
e és absoluto e eterno.
cantarei as estrelas.
Dos meus poemas humildes
nem todos se apagarão
na lembrança dos homens.
E nos poucos que fiquem
ainda estarei cantando
a estrelas eternas.
cantarei as estrelas,
perpetuamente as cantarei...
3
clara e humilde que bebo
para matar a sede,
transubstancia esta água no teu sangue!
que aspiro sôfrego
Porque meus pulmões sufocam,
Transubstancia este ar na tua alma!
as linhas puras de beleza
de todas as coisa do mundo
e que meu olhar procura ansiadamente,
e as harmonias, as músicas,
que são a água para a sede meus ouvidos,
transubstancia tudo isto no teu corpo,
como fazes com o pão e o vinho.
tudo o que está em permanente contacto
com meu corpo eminha alma,
afim de que em tudo eu te sorva
e de ti me nutra
e me encha de ti a cada instante
Porque, senão, eu me desfarei em poeira,
Em poeira tão tênue
Que nem teus dedos sentirão...
4
infinitamente puras.
Dá-me paisagens virginais
sobre as quais meu espírito corra como um vento
que nunca tenha roçado as paludes trágicas,
nem nunca se tenha embebido do perfume
das mancenilhas mortais.
Senhor, dá-me paisagens unicamente feiras
- como as do deserto enorme, -
de areias e estrelas.
5
que as águas primordiais
- as grandes águas virginais do mundo –
lavaram.
distantes na noite,
límpidas.
nítido,
em que poderá refletir-se
Tua Face...
6
até o Fim.
capturar as imagens
de nítidosrecortes,
ágeis e vivas
como os tigres elásticos,
e as corças tímidas...
que desejam como serenos pássaros,
do mar,
ou como os livres ventos oceânicos.
Porque só eles trazem nas asas
o vasto e puro alento
das distâncias eternas.
no molde frágil
dos apodrecentes desejos,
do tédio ignóbil,
das cobardias inomináveis.
Modelas apenas
as sagradas argilas
que as mãos de Deus amassaram,
porque só delas é que nascem
As formas imperecíveis.
Criar apenas ritmos límpidos e puros.
Cantar somente os cantos matinais
claros e nus...
9
(tão essencial,
tão de Deus...)
do céu puro alumia
a paisagem desnuda:
a paisagem de árvores desfolhadas
erguendo braços quase humanos
na solidão vazia:
de árvores tão simples e nuas,
tão essenciais,
tão de Deus!
Senhor, bem sei que este quadro
é uma palavra tua...
Que por ele me chamas
em verbo de beleza
para uma simplicidade mais límpida,
para uma renúncia mais heróica,
para um desnudamento mais total...
Quando todos os homens
forem, por fim, ajustados
como peças inertes
à grande máquina terrível,
nós, e os nossos irmãos dolorosos,
ficaremos sozinhos.
se houverem perdido de todo
do seu sentido de eternidade
e da sua vocação de beleza,
nós ficaremos
infinitamente sozinhos!
Mas ainda assim continuarão perpetuamente
a comunicar-se conosco
as profundidades de tudo.
Ainda assim continuaremos
a comungar com as essências,
a ouvir as vozes do chão e das estrelas,
a receber as mensagens
das coisas e dos mundos.
do seio de uma solidão infinita,
prosseguiremos
em nossa confidência comovida
com Deus...
13
na oração que nem sabe que é oração,
no misericordioso encontro eucarístico,
na hora da dor incoercível, em que nada mais me alivia
[no mundo,
na hora da ansiedade infinita, em que nada mais enche
[a minha alma no mundo,
na hora da serena, ou da profunda alegria,
em que está mais próxima a compreensão gloriosa
do absoluto e do eterno.
desentranhar perpetuamente a beleza
da substância de todas as coisas.
Procurar a inocência.
No mais secreto desvão de todas as almas
procurar incessantemente a inocência.
Andar, andar, sem parar,
perpetuamente descobrir
a inocência e a beleza.
Falar perdidamente com Deus...
15
Perpetuamente continuou.
Os homens é que se petrificaram.
Fizeram-se inertes como os rochedos
sobre os quais passa inutilmente
o grande vento da infinita solidão.
Depois cresceu, se amplificou.
Se os homens não tivessem descido todas as flâmulas
da alta torre do Espírito,
elas a esta hora tremulariam violentamente
ao vendaval do Criador.
*O Poema selecionado pertence à obra Contemplação do Eterno, e foi estraido do livro "Tasso da Silveira: poemas" da Editora GRD, com organização e seleção de Ildásio Tavares.
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