Fernando Rodrigues Batista
O RACIONALISMO JURIDICO DE KANT E A ECLOSÃO DO ESTADO BURGUES DE DIREITO
O tratadista alemão Robert Mohl atribui a Hugo Grocio a fundamentação racionalista da ordem jurídica e por conseguinte o surgimento de um novo sistema filosófico, que é precisamente o que logo seria o chamado Estado de Direito.
Tal assertiva, parece equivocada, visto que é em Kant que se encontra verdadeiramente uma construção ideológica cujos pressupostos jurídicos básicos requerem as perspectivas da liberdade entendida ao uso, modo e proveito da burguesia que domina a cena da civilização ocidental do século XIX.
O Estado de direito, mais que descrição teorizada de uma realidade existente, nasceu de forma ideal a servir, de alavanca a movimentar os acontecimentos políticos, servindo também de impulso incitador das mudanças de governo, eqüivale dizer, é um Estado ideal que pretende se converter em realidade, uma bandeira ideológica antes de um regime jurídico vigente.
Como faz notar Friederich Darmstaedter1, esse tipo de Estado ideal de direito postulado pela burguesia reside na fórmula clássica de todo Estado de direito que se encontra nos escritores que vão desenvolver esta questão ao longo do século XIX. Já o mexicano José Fuentes Mares2 salienta que a contraposição kantiana entre estado natural e estado civil vai implícito no prelúdio do Estado de direito do liberalismo moderno.
Kant desenha o Estado de direito, sobremodo, fazendo a distinção de dois tipos de relações: a relação de força, que enlaça um Estado com os outros, “daher Wort Potentaten”, e que daria origem em todo caso a um Direito Internacional entre os povos ou “Volkerrecht”; e as relações do indivíduos entre si dentro de um povo, a “rechtliche Zustand”. Este segundo tipo de relações é a correspondente ao Estado burguês ou civil de convivência, ao “burgerliche (status civilis)”, em contraste com o estado de natureza, em síntese, como definiu E. Paolo Lamanna3 nada menos que por o ponto de transição desde a animalidade a humanidade.
Para Kant não existe direito onde não haja estado civil ou “burgerliche”, ou seja, a situação dos indivíduos no seio do povo em suas relações mutuas entre si.
E o Direito em Kant como preleciona o professor Cretella Junior4, é o conjunto das condições, segundo as quais o arbítrio de cada um pode coexistir com o arbítrio dos demais, de acordo com uma lei universal de liberdade.
Nessa linha de raciocínio, posto que o direito é a simples cobertura formal das liberdades individuais; serão situações jurídicas aquelas nas quais a liberdade individual resta assegurada por esta cobertura formal do direito, e será Estado de direito dito regime que assegure as liberdades individuais.
Nota-se que liberdade e direito fundem-se no que se chamará Estado de direito e dentro da terminologia do liberalismo burguês, daí se poder dizer com o ilustre publicista espanhol Pablo Lucas Verdú5, que o Estado de direito em Kant é “fruto maduro da burguesia”.
À vontade pura – requerida por Rousseau para a existência de la volonté générale – substituiu Immanuel Kant pela vontade nouménica imanente a liberdade (Freiheit) contraposta a vontade fenomenica do alvedrio (Willküs), movida pelos apetites.
Por isso, entende que, para que seja imposta juridicamente a todos essa lei geral ética, se requer que algo exterior a cada uno nos imponha coativamente.
Assim kant explica: “tudo que não é conforme o direito [que identifica ao conforme a lei geral] é um obstáculo a liberdade segundo as leis gerais”; e, por conseguinte, “se um certo uso da liberdade é o mesmo, um obstáculo a liberdade segundo as lei gerais” [...] “a coação que lhe é imposta conforme a aquela coincide com a liberdade. Ou, o que é mesma coisa, a coação é conforme o direito. Portanto, de acordo com o princípio da contradição, ao direito em si, se encontra unida a faculdade de exercer a coação sobre aquele que a viola”. Ao sobrepor a coação a lei geral ética para salvaguarda-la, resulta que a lei jurídica ocupa o lugar da lei ética que fica subsumida pelo que é imposto coativamente pelo Estado. “Direito e faculdade de coação - diz kant – significam portanto a mesma coisa”
Conclui-se, ante o exposto, que o Estado de Direito concebido por Kant e teorizado pelos escritores liberais é um Estado possuidor das normas legais em que nada conta a moral, válidas simplesmente porque asseguram o exercício mecanicista das liberdades individuais, sem entrar nem sair na consideração de que essas liberdades sejam boas ou más.
Mas o direito consta de dois fatores: a segurança da convivência e a justiça em seu conteúdo.
Em razão da natureza da condição humana, o direito assume, sim, a segurança na raiz animalesca de seus instintos; a complexidade perfeita do direito requer acrescentar á segurança a justiça, fundada na racionalidade humana, do mesmo modo que no ser humano é a razão a que disciplina os instintos animalescos.
Segurança tão somente, sem justiça, não é direito, assim como o homem reduzido a puro instinto é animal, e não homem, somente quando á racionalidade impera, o justo sobre a cega tendência instintiva da segurança, aparece o direito.
Sem a justiça, ditado da razão, não cabe o direito. A só segurança conduziria a um equilíbrio mecânico de forças, jamais (subiria) a valoração qualitativa das condutas. Sem a justiça no é dado conceber o direito.
O LEGALISMO JURÍDICO
O positivismo legalista caracteriza-se pela identificação do direito com a norma legal, afastando a mínima aproximação com a ética.
Herbert L. A. Hart6 em seu livro Positivism and the separation of law and morals, diz expressamente que não existe direito além do ditado pelo Estado.
Norberto Bobbio7 reforça a tese aduzindo que todo direito se identifica com a vontade estatal, “un´ identificazione della volontà creatice Del diritto con la volontà Del sovrano político, in definitiva un totale reduzione Del diritto al diritto statuale”.
Umberto Scarpelli8 condensa nesses dois traços característicos do positivismo jurídico: Voluntarismo e exclusão de valorações éticas.
Herbert L. A. Hart6 em seu livro Positivism and the separation of law and morals, diz expressamente que não existe direito além do ditado pelo Estado.
Norberto Bobbio7 reforça a tese aduzindo que todo direito se identifica com a vontade estatal, “un´ identificazione della volontà creatice Del diritto con la volontà Del sovrano político, in definitiva un totale reduzione Del diritto al diritto statuale”.
Umberto Scarpelli8 condensa nesses dois traços característicos do positivismo jurídico: Voluntarismo e exclusão de valorações éticas.
1 Rechtsstaat oder Machtsstaat? Eine Frag nach der Geltung Verfassung, Berlim-Grunewald, Walter Rotschild, 1932, pág. 48.
2 Kant y la evolución de la conciencia social-politica moderna, México, Editorial Estylo, 1946, pág 184.
3 Studi sul pensiero morale e politico di Kant, Firenze, Felice Le Monnier, 1968, pág. 236.
4 Curso de Filosofia Jurídica, 5ª edição, Editora Forense, Rio de Janiero,1999, pág. 156.
5 La lucha por el Estado de derecho, Bolonia, Real colegio de España, 1975, pág. 20.
6 Harvard Law Reviw, LXXXI, (1958), 593-630, Citação da pagína 595
7 Giusnaturalismo e positivismo giurídico, Milano, Edizioni di Comunità, 1965, páginas 153-154
8 Cos´é il positivismo giurídico, Torino, G. Ghianppichelli, 1070, pág. 107
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