O eminente tradicionalista espanhol, Miguel Ayuso Torres, professor de Direito Constitucional, católico militante, neste prestigioso artigo combate os erros emergidos das areias movediças da Revolução Francesa e reafirma o soberano Direito de Deus sobre os homens, nesta época em que o homem suplantou Deus de seu trono e tornou-se medida de todas as coisas.
MIGUEL AYUSO
1. De nominibus non est disputandum? o Res denominatur a potiori?
Laicismo e laicidade. Dois términos muito próximos. Com significados, por isso mesmo, entrelaçados. O primero, o denota o sufixo "ismo", ligado a uma ideologia. Uma ideología, a liberal, baseada na marginalização da Igreja das realidades humanas e sociais. Com efeito, o naturalismo racionalista posto por obra na Revolução liberal, e condenado pelo magistério da Igreja, recibeu entre outros o nome de laicismo. O segundo, relacionado em seu inicio com uma situação gerada por essa ideologia na França do último terço do século XVII. Assim pois, laicismo e laicidade como términos que expresam um mesmo conceito. Hoje, em troca, parece que há setores interessados em contrapo-los. Principalmente o "clericalismo" (tomando o término no sentido que lhe dava Augusto del Noce, isto é, a subordinação do discurso político e intelectual católico ao dominante em cada momento) e a democracia cristã. O laicismo agressivo se diferenciaria, assim, da laicidade respeituosa, e a união "laicismo e laicidade" se interpretaria disjuntivamente como "laicismo oulaicidade". No entanto, resulta fundada uma tal oposição? Ou melhor seria encontrar na mesma um simples matiz entre duas versões de uma mesma ideología? Um indicio, entre muitos, e de singular relevância, nos conduz até esta segunda possibilidade: o protesto que fazem os secuaces da laicidade de respeitar a "separação" entre a Igreja e o Estado, com o conseguinte rechaço da tese do Estado católico. Agora veja-se, a Igreja não pode (sem trair sua missão) deixar de afirmar que há uma lei moral natural, que Ela custodia, e a que os poderes públicos devem submeter-se. Isto é, o núcleo do Estado (que não é o Estado moderno senão a comunidade política clássica) católico, do que se chama com terminologoa de origem protestante a "confessionalidade do Estado", e – com denominação tradicional que pressupõe uma maioria sociológica– "unidade católica" . Quando se afirma que "nenhuma confissão (religiosa) terá caráter estatal" – segundo se faz, por exemplo, o artigo 16 da Constitução espanhola – poderia se pensar que não se há saído do âmbito dessa tese tradicional, já que o Estado católico longe de estatizar a religião, se submete a sua invariante moral da ordem política . Na prática, sem embargo, o que se está postulando é o agnosticismo político, que não pode senão concluir exigindo a submissão da Igreja (prévio esquecimento de sua missão de garante dessa ortodoxia pública) ao Estado: a "laicidade do Estado" sempre termina na "laicidade da Igreja" , isto é, na pretensão de que esta renuncie a sua missão e se limite a ofertar seu "produto" (pura opção) dentro do respeito das regras do "mercado". Esta tem sido sempre a lógica da laicidade, mas que agora – passado o momento forte das "religiões civis"– se evidencia com toda claridade. Por isso mesmo, ante a falsa oposição entre laicismo e laicidade deve proclamar-se que "nem laicismo nem laicidade".
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