O padre gordo e sem batina avermelhou-se – não é mera coincidência – como se eu proferisse uma grande blasfêmia, levantou-se da mesa e soltou aos gritos: "O comunismo não é tão ruim. Você anda lendo livros errados". Não voltei a lhe falar. Segui assistindo suas missas chatas com suas homilias horríveis. Confesso que tinha a sensação de estar em uma reunião sindical.
Devo salientar para espanto de alguns, que o padre gordo, sem batina, que tinha uma homilia horrível, aceitava de bom grado as insinuações das velhas rezadeiras que na falta do que fazer se reuniam na Igreja todos os dias para sei lá o que. Não obstante ele seja também um grande canalha, não é sobre este tal padre que eu queria falar. Mas quero falar de um assunto que segue a mesma tônica, ou seja, quero falar dos padres canalhas. A ordem do dia era a questão social. Pecado, inferno, nem pensar, certamente – na mente do padre pra frente – trata-se de coisas ultrapassadas, irrelevantes, não condizentes com a "lógica" do Concílio, como dizia o progressista Cardel Suenens de quem doravante falaremos.
Ah, se Gustavo Corção estivesse vivo!
Me acode à memória um jovem amigo, revoltado, era bem jovem, 20 anos. Explico-me. Este amigo faria uma viagem e queria a qualquer custo se confessar. Talvez um leitor desavisado poderia perguntar: - Existe isso ainda? -. Bom, seguindo: meu jovem amigo seguiu até a Paróquia local. Tomou um susto. O padre, este também sem batina, porém menos gordo – na minha opinião daria um ótimo narrador de futebol - bravejou: "Só com hora marcada". A alma agora depende de hora marcada: chegamos ao ápice da defecção da fé e da Igreja.
Como imprescindivelmente haveria de viajar naquele mesmo dia, tomou um ônibus em direção à Catedral. Na frente, uma placa enorme estampava: "Atendimento das 14:00 ás 18:00 hs". Entra, ouve barulhos de máquina de escrever. Bate na porta. Nada. Talvez tivesse imaginado: "o que devem estar redigindo? Um Manifesto? Uma homenagem à Marx? À Guevara?". Tudo é possível. Sai desconsolado no sol de rachar catedrais. Novamente e propositalmente uso uma expressão do Nelson Rodrigues. Não importa. O fato é que não o atenderam.
Ah! Em outra oportunidade - me relatou o jovem amigo – em sua peregrinação quase quixotesca, entrou sem bater e não se surpreendeu ao encontrar o padre, também sem batina - esse usava cadeira de rodas - deleitando-se com a leitura de um grande canalha, uma cafajeste, um pulha. Refiro-me ao Boff claro. O Leonardo Boff, idolatrado, chupado sem titubeios, por cem entre cem desses padres da Igreja Nova. Voltando. Meu amigo resolve ligar para duas ou três paróquias, salvo engano é isso. Nada. Simplesmente nada. Ninguém disponível.
Faltam padres disse uma secretária. Fico imaginado Bernanos em uma situação dessas. Queria apreciar ele se manifestar à respeito. Fui assaltado de uma cólera terrível. Esse assunto ficou em minha cabeça. Entre uma leitura e outra ficava comigo: "E se ele morresse?". "É, eles deveriam ir para o inferno". Sentia inevitável vontade de esfregar em suas caras a Pascendi Dominici Gregis. Não sei se eles a conhecem, mas senti vontade de esfregar na cara deles.
E o leitor atordoado conhece? Imaginem, outra situação.
Um desses demônios encarnados como com acuidade salientava Santa Catarina de Sena, foi solicitado por uma filha aflita que tinha a mãe muito enferma que esperava um ato caridade do padre, esperava que este lhe concedesse o sacramento da unção dos enfermos. O canalha simplesmente disse: "Hoje não posso. É meu dia de folga". Canalha, pulha, demônio encarnado. Existem ainda padres ou só canalhas? O Nelson Rodrigues dizia que achava lindo quando ainda menino as crianças atravessavam a rua para beijar a mão do padre, do padre de batina, do padre que juntava as mãos e rezava.
Hoje não se beija a mão do padre, e o padre – falo aqui dos padres pra frente, padre de passeata - não usa batina e tampouco reza.
Peço vênia para relembrar o que disse Santo Pio X, de venerável memória: "Os fabricantes dos erros, ocultam-se no seio e no próprio grêmio da Igreja... se apresentam como restauradores da igreja e em falange perigosa atacam com audácia o que há de mais sagrado na obra de Jesus Cristo". Perfeito. Pio X condenou o modernismo no Decreto Lamentabili Sane Exitu, e na citada encíclica Pascendi Dominici Gregis. Ninguém conhece esses documentos. Estão jogados ao relento assim com as almas de todos católicos sinceros.
Entrementes, toda inovação é aceita de bom grado pelos fiéis desatentos, que lhes são impingidas a gosto e contra-gosto pelos progressistas. As mais soezes mentiras, àquelas que fazem rinchar as constelações, consoante a expressão do insaciável Leon Bloy - este sim católico de verdade – tem a potência de derrubar dogmas. Para melhor ilustrar, recorda o saudoso pensador belga Marcel de Corte uma triste situação onde um padre ainda moço, que em sua homilia teve a audácia de pronunciar: "Maria sacrificou sua virgindade para dar a luz ao Salvador do Mundo".
Como não se indignar com estes patifes anunciadores do nada? E as coisas do espírito? E a tradição? Estudar Che Guevara, Marx é mais importante? A Fome. A barriga cheia. Tudo alcançou maior valor que as pobres almas com cede de eternidade. Se a barriga está cheia está tudo bem, assim dizem os canalhas. Falei muito em canalhas, vou falar agora aproveitando a vênia, de quem brilhantemente usava essa expressão. Falarei de Nelson Rodrigues.
Porque o espanto leitor conservador? Do Nelson Rodrigues que era fluminense como o literato Octávio de Faria. Em um artigo o Nelson lembra de uma certa vez em que o Carlos Heitor Cony o arrastou para um canto e soltou: "Teu artigo de hoje está de um reacionarismo". Explico. O grande dramaturgo havia escrito sobre a fome de 1917, 18 e 19, ressaltando que a fome dos anos citados não tinha o apelo, o patético, a promoção que tinha em seu tempo e que segue até os nossos.
Seguindo, arremata Nelson: "hoje, há uma fúria. Quantos vivem da Fome? Por exemplo: d. Hélder. Sempre teve o gênio promocional... o d. Hélder anterior não tem o dramatismo, a potência, a forma do d. Hélder da fome. A fome tem-no feito".
Recordei do Nelson Rodrigues que falou da fome e que falou do d. Hélder, que por seu turno era progressista, assim como o Cardeal Suennens de quem falei em algum parágrafo mais atrás, o primeiro ganhou a alcunha de Bispo Vermelho, o segundo ficou famoso por ter repreendido o Papa Paulo VI por ocasião da encíclica "Humanae Vitae", pois entendia Suenens tratar-se de uma encíclica retrograda e queria o Cardeal que a Igreja andasse depressa. Esta é a característica essencial do progressismo católico: a Igreja tem que ir pra frente. Pergunto-me: para onde?
Os dois lançaram livro juntos. Não o li. Mas o Bispo Vermelho tornou-se corifeu da Teologia da Libertação e o outro um dos precursores do propalado movimento carismático, lançando em 1974 o livro "Une Nouvelle Penetecôte". Esse pulha segundo alguns era grau 33 da maçonaria. Eu não dúvido. O Pe. Luc J. Lefévre bem dizia: "as contestações vem se multiplicando de há tempos", e seguem se multiplicando.
Quando assistia uma dessas missas que parecem reunião de sindicato marxista ou as chamadas missas show, não outro era meu sentimento senão de saudades de um tempo que não vivi...